Como é sabido, uma das vigarices mais insistentemente repetidas pelos promotores da energia eólica, é que o investimento na mesma poupa ao país importações de petróleo.
Conhecendo há muito tempo como é gerada a electricidade em Portugal, essa é das barbaridades que me deixa desaustinado! Confesso mesmo que foi uma questão decisiva para eu ter iniciado o meu blogue, em 2009!...
No entanto, essa mentira é tão repetida, que há muita gente que a interiorizou, e que chega mesmo a duvidar do contrário. E perguntam alguns pelas centrais do Carregado e de Setúbal, ao que lá temos que explicar que o Carregado há anos que foi reconvertido a gás natural (ciclo combinado) e que Setúbal também há anos que raramente funciona.
Na verdade, o abandono do petróleo para a produção de electricidade é algo que foi consensualmente decidido praticamente em todo o Mundo depois do choque petrolífero de 1973, há já quase 40 anos! Universalmente, a solução foi a mudança para o carvão (alguns para o nuclear, como a França e a Alemanha), e desde os anos 80-90 é o carvão que é a base da geração termoeléctrica mundial, e não o petróleo! Incluindo em Portugal, com as grandes centrais de base de Sines e depois do Pego, perto de Abrantes...
E se o carvão entrou em desgraça a partir de 1990, foi por causa de Kioto e da necessidade de redução das emissões de CO2 o que, como já expliquei sobejamente, está na origem do renascimento mundial da energia nuclear - para substituir o carvão como este substituíra o petróleo.
E no entanto, os que querem teimosamente associar na mente pública o alto custo do investimento na energia eólica com o petróleo não desistem...
Acontece que recentemente me dei conta que, no mix de fontes de electricidade em Portugal, constam duas pequenas parcelas que efectivamente comportam derivados de petróleo mas que em regra passam desapercebidos.
A primeira parcela é a geração eléctrica nos Açores e na Madeira. Nos Açores, numa produção anual de 0,85 GWh, a componente a fuel e gasóleo é de 72%, 0,61 GWh. Na Madeira e Porto Santo, numa geração total de 1 Gwh, a componente a fuel e gasóleo é semelhante - 0,735 GWh. Pelo que a parcela total de geração a derivados do petróleo nas ilhas é de 1,35 GWh, o que perfaz 2.7% da produção eléctrica nacional (na Grécia é 8%). Claro que essas componentes térmicas não são fáceis de substituir nas ilhas, pelo que isto não é nenhum reparo mas apenas uma nota.
A segunda parcela de geração a derivados do petróleo é a cogeração (Produção em Regime Especial) a fuelóleo, que constitui 29% da totalidade da potência instalada em cogeração, que na sua totalidade gera 13.5% da electricidade nacional. A cogeração a fuelóleo deve, assumindo-a proporcional (sobre o que me faltam dados precisos), gerar portanto 3 a 4% da electricidade nacional.
Admitindo o limite inferior, dado que com a subida de preços do fuel essa cogeração não deve ser muito rentável (mesmo usando do fuel mais ordinário e poluente), temos que o petróleo efectivamente gera mais electricidade do que o suposto pelo próprio Governo: 2.7% nas ilhas + uns 3.3% na cogeração = 6%. Mas como esta última também tem tarifas garantidas semelhantes às das eólicas, não se vê como a aposta nas eólicas substitui a cogeração a fuel...
Quanto às ilhas, e nas que têm dimensão para isso, aí sim, vale a pena aproveitar toda a energia renovável tecnicamente possível, porque o fuel e o gasóleo são lá muito caros - sobretudo por se terem de transportar para lá! Nos Açores, em particular, vale a pena aproveitar ao máximo a geotermia, e de facto em 2006 entrou em funcionamento em S. Miguel uma segunda central geotérmica.
E valerá também a pena ter automóveis eléctricos, quando as baterias forem mais baratas, não só para poupar os caros de transportar gasóleo e gasolina, mas também porque as distâncias nestas ilhas são curtas e cheias de subidas e descidas (o que torna ainda mais interessante a travagem regenerativa). Enquanto não há carros eléctricos, estas distâncias curtas e acidentadas recomendam os híbridos, o que aliás se vê lá bastante, e veria muito mais se os combustíveis não tivessem lá uma bonificação fiscal que os torna muito mais baratos que no Continente e desincentiva a "eficiência energética"...
4 comentários:
Caro Professor,
Permita-me discordar do seu comentário de há dias. Concordará que a Ciência não é neutra em relação à sociedade onde ela se gera e que permite que ela se desenvolva, utilizando a energia e as suas fontes que aqui se discutem. Os seus dois penúltimos textos, revelando enorme esforço de investigação, não só não “explicam” Ciência, como têm, obviamente, uma função informativa de factos e realidades constatados em diferentes sociedades. Publicados em Portugal, em meios de comunicação de larga difusão, teriam muito mais impacto e seriam muito mais úteis à nossa sociedade da qual o senhor é ilustre membro.
Aqui, terá sido lido por uma centena de cidadãos. Num outro – ou em outros! – media, seria lido por milhares. E que tal propor um debate na televisão – privada, claro, pois na pública, mandam os senhores das renováveis?!
Creio que os cientistas têm o direito - certamente também o dever! - de intervirem na sociedade. Só assim darão pleno sentido às suas pesquisas e descobertas.
Saudações!
Caro Sr. Domingos,
Os media estão muito polarizados para a ideologia dominante nestas matérias. Há uma teia bem trabalhada que conduz a um pensamento único. É aliás por isso que iniciei o blog - por falta de outra maneira de expressar uma visão alternativa ao "mainstream" e que, conforme nota, procuro que tenha uma fundamentação científica.
Cumprimentos!
Caro Prof:
Desejo-lhe felicidades e dou-lhe os parabéns pelo seu trabalho. Sempre que posso, mando aos interessados como eu nestes assuntos um link para este seu blog. Não conheço, em português, nenhum outro site onde se possa ter informação isenta e fidedi gna sobre esta matéria. Por isso lhe estou obrigado! Aceite os meus cumprimentos, os meus agradecimentos e que a continue este seu valioso contributo para o esclarecimento de todos nós.
J Aguiar
Caro professor,
Antes de mais parabéns pelo blog.
Confesso que esta noticia devia ser exposta nos media e demonstrar que o fuel é utilizado em ultimo caso, tendo mesmo contribuido com apenas 1% para o abastecimento do consumo em 2010 e em 2009 0%.
Outro facto interessante é que o excesso de potência instalada de energia renovável tem que ser justificada e os 1,2 mil milhões de euros de CIEG também, que contribui para a estagnação de outras tecnologias em Portugal.
Abraço
Gonçalo Valente
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