Na sequência do novo terramoto de grau 7.1 que assolou antes de ontem o Japão e de que ontem dei aqui notícia, notando a robustez com que as centrais nucleares japonesas lhe resistiram, alguns dos nossos jornais publicaram "informações" alarmantes contrariando o que eu escrevera.
Como qualquer pessoa pode confirmar pelos hyperlinks que eu inserira no texto, o que eu afirmara baseava-se nos comunicados das instâncias que, no terreno, estão naquelas centrais, ou seja, a TEPCO (a "EDP" local) e a Agência Internacional de Energia Atómica (IAEA). Procurei, por isso, tentar saber se alguma coisa me escapara na informação disponível.
Mas vejamos primeiro o que noticiaram on-line estes nossos jornais.
O Jornal de Negócios, por exemplo, afirmou aqui, sob o título de "duas novas centrais nucleares afectadas no Japão", que "Duas novas centrais nucleares do Japão tiveram que recorrer a geradores de emergência depois de terem perdido a sua fonte de alimentação externa", e que "As centrais nucleares de Onagawa e Higashidori sofreram infiltrações ". Subscreveu a notícia a jornalista Andreia Major.
O Diário de Notícias, em Revista de Imprensa Internacional, com o título "Novo sismo provoca fuga em central nuclear japonesa", é um pouco mais cuidadoso na menção das fontes, e afirmou aqui que "Segundo o El País, que cita a televisão NHK, a central nuclear de Onagawa, situada na província de Miyagim, no Noroeste do Japão, está a sofrer infiltrações de água, mas não se registou ainda um aumento da radioactividade". "Ainda", notem...!
Finalmente, o Expresso, um pouco mais comedido no título, diz que "Novo abalo de terra de 7.1 graus no Japão causou pelo menos dois mortos e 132 feridos, apagão em mais de 3,3 milhões de edifícios e fuga radioatioativa na central nuclear de Oanagawa".
Ora, que se passou que eu não soubesse ontem e não tivesse mencionado?
Como ontem expliquei, o que se passou foi um terramoto muito similar ao que devastou o Haiti em 2010, e que derrubou boa parte das linhas de Alta Tensão da rede de transporte, causando um apagão. Normal, para um terramoto como este. Já em Março isso também acontecera. A construção de habitações, no Japão, é feita para resistir a terramotos destes, mas as coisas menos importantes para a segurança de pessoas, não. Em Março, além de derrubar postes de linhas de energia, o terramoto danificou 1700 estradas, destruiu 50 pontes e fendeu 7 barragens, destruindo uma, incendiou refinarias e assolou fábricas. Normal, para um terramoto de grau 9. E este? Deste os media não deram a menor notícia, mas certamente houve mais estragos, além do derrube de postes de Alta Tensão, que no entanto não preocuparam minimamente os media...
No Japão, as habitações são projectadas para resistir aos terramotos e as centrais nucleares também, por maioria de razão! E resistiram!
Como noticiei, se a rede eléctrica a que as centrais estão ligadas sofre um apagão, as centrais recorrem aos seus geradores próprios, os Diesel, que lhes garantem a autonomia. Tudo isso funcionou bem, agora como em Março, e em Março o que houve a mais foi o tsunami!
Mas de onde vêm estas histórias da "fuga radioactiva", de "infiltrações", na centrais nucleares japonesas? A informação mais detalhada e actualizada, nas fontes, é a seguinte, consultável por todos aqui:
Relativamente a Onagawa, além do que eu já escrevera ontem (antes de conhecer estas "notícias" dos jornais), isto é, que a central estava desligada, portanto apenas com as piscinas dos resíduos a requererem arrefecimento (as piscinas têm uma enorme capacidade calorífica; a do reactor 4 de Fukushima só ao fim de 10 dias sem circulação da água terá entrado em ebulição), e que das 3 linhas de Alta Tensão que ligam a central à rede duas foram derrubadas, mas que a central, como é normal, resolveu o problema com os seus próprios recursos e a 3ª linha, a única coisa nova que há a mais relativamente ao que noticiara é a seguinte: "the plant also suffered water leaks at eight locations, including a spillage of about 3.8 litres in total from the three reactors' spent fuel pools". Ou seja: com o tremor de terra, transbordou água das piscinas, dentro da central, num total de 3,8 litros de água! Para quem ignora como são estas gigantescas piscinas, pode ver aqui um filme explicativo.
Relativamente à outra central nuclear que também ficou isolada da rede eléctrica, de acordo com o Ministro da Economia japonês, Meti, "There have been no signs of any radioactive release from Higashidori".
Onde foram, portanto, as "infiltrações" e as "fugas radioactivas"?
Alguns anónimos têm-me pedido para comentar notícias de jornais ou da TV sobre os acontecimentos no Japão, contrapondo-as ao que aqui tenho escrito. Espero que fique claro que, de acordo com a formação científica que me prezo de cultivar, o que escrevo não se baseia em notícias de jornais; conheço bem a fraca qualidade de muitos jornalistas actuais e, pior ainda, os interesses e influências a que muitas vezes eles são permeáveis. Sobre coisas desta responsabilidade só escrevo o que posso consultar em fontes credíveis, e não jornais ou televisões.
Por isso, também só adiciono aos comentários informação adicional vinda de fontes originais e credíveis. Tudo o resto é mero ruído. Neste caso, ruído terrorista.
Nota extra: que isto não é só por cá pode-se ver nesta excelente apreciação feita nos EUA.
1 comentário:
O assunto do "mau" comportamento dos meios de comunicação social (não só em Portugal) preocupa-me há já vários anos.
Faço uma citação de um resumo muito bom dos problemas actuais da comunicação social e que pode ser lido AQUI. A tradução é minha.
"O ciclo mediático processa-se da seguinte forma: o público e os Media ignoram um problema durante vários anos; por algum motivo, de repente reparam no problema, declaram a existência de uma crise e arranjam uma solução; em seguida percebem que o problema não tem solução fácil e que esta será sempre cara; ficam zangados, depois aborrecidos e finalmente voltam a ignorar o problema"
Outras vezes não existe propriamente problema mas arranja-se...
Penso que no caso de Fukushima estaremos já na fase do "aborrecimento". Daqui a uns tempos já nem se fala disto.
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