quarta-feira, setembro 09, 2009

Energia solar: negócios portugueses e as perspectivas mundiais

No regresso de férias recebi na caixa de correio uma "oferta" de uma empresa que, por 25.200 €, se propunha tornar-me um "microprodutor" pela instalação de um painel solar fotovoltaico na forma de um "kit" de 3,68 kW, o qual me permitiria vender à EDP energia a 0,6175 €/Kwh e recomprá-la depois, da mesma EDP, a 0,121 €/kwh. Embora o folheto o não explicasse, o painel solar do referido kit não terá menos de 25 m2 (cerca de 6 x 4,25 m), ocupando considerável área do telhado. Uma rápida pesquisa permitiu averiguar que a empresa em questão é um obscuro empreiteiro de província.

Dizia-me o folheto que eu ganharia com isso em média 300 €/mês isentos de IRS, além de que poderia deduzir à colecta de IRS 796€ do investimento de 25200 € (mas que na verdade não é aplicável se a casa já estiver adquirida). Quanto aos custos de manutenção e de instalação do "kit" o folheto era omisso, mas pode-se presumir que a vida útil do "kit" seja de 20 anos, com substituição eventual do conversor por volta dos 10 anos. A manutenção terá de incluir a limpeza regular, já que a acumulação de pó reduz o rendimento dos módulos até 50%.

Umas breves contas sobre os dados do próprio folheto mostram que a energia produzida estimada aproveita em média apenas 15% da potência indicada de 3,68 kW, tendo em conta as noites, os períodos de céu nublado e as condições frequentemente não ideais de exploração, nomeadamente o ângulo variável de incidência da luz do sol ao longo do dia. É um valor típico das médias mundiais dos módulos solares.
Um rápido cálculo financeiro mostra também que, excluindo custos de manutenção e considerando as taxas de juro especiais oferecidas para o efeito pela Caixa Geral de Depósitos, o prazo de amortização do referido investimento andaria pelos 8 anos, se a tarifa se mantivesse a mesma. Porém, a referida tarifa só é "oferecida" pelo Governo para os primeiros 5 anos (facto "esquecido" no referido folheto), descendo a partir de então para o valor em que estiver na altura e que, com elevada probabilidade e pelo que adiante é discutido, será pouco superior à tarifa de compra. Quer isto dizer que com elevada probabilidade a instalação só estará de facto amortizada ao fim de 20 anos, o tempo de vida do equipamento e que, portanto, se trata de um investimento com interesse nulo enquanto negócio!

Tendo em conta que a energia produzida pelo vento custa à EDP quase o mesmo preço pela qual é depois vendida (0,1 €/kwh), o dobro do que custa a do carvão, já considerando os 0,2 €/kwh de "multa" pelo CO2 emitido pela queima deste e imposta pelo protocolo de Kioto, vemos que esta energia solar custará à EDP, presentemente, 6 vezes o que lhe custa a eólica e cerca de 15 vezes o que custa a extraída do carvão, "multa" pelo CO2 àparte (que os maiores consumidores mundiais de carvão para a produção de Energia, os EUA e a China, não pagam porque não subscreveram Kioto).
Poder-se-á argumentar que, sendo essa energia eléctrica produzida junto ao consumidor, a EDP poupa os encargos com o seu transporte e distribuição a partir das centrais usuais e que, portanto, o custo a comparar com os 0,62€ não será o da energia à boca dessas centrais mas o acrescido do seu transporte e distribuição, ou seja, perto dos 0,114€ pagos pelo consumidor. Mesmo assim é evidente que se trata de uma subsidiação de 0,55 €/kwh.
Por conseguinte, o custo desta energia solar é totalmente subsidiado pelos impostos cobrados pelo Estado e pelo défice da EDP, ele também a ser pago um dia, mais cedo que tarde, pelos consumidores, e pelo próprio "microprodutor", enquanto financiador e sobretudo pela disponibilizaçã0 da área de colocação dos painéis.
E o que subsidia ao certo esta estratégia energética?

Portugal é o único país que tem uma política generosa de subsidiação às energias renováveis por motivos apenas ideológicos. Porque, espantosamente e ao contrário de todos os outros países que subsidiam a procura interna de energias renováveis, Portugal não tem indústrias próprias de equipamentos produtores de energia renovável. Não as tem para a campeã eólica, e também as não tem para a energia solar!
Quandoo Presidente da República inaugurou a fábrica de módulos solares da Solar Plus em Dezembro passado, manifestou um entusiasmo talvez excessivo face à modesta dimensão do projecto: um empreendimento puramente financeiro de um consórcio nacional de apenas 15 a 18 M€, com tecnologia e organização totalmente estrangeiras, destinado à mera montagem de componentes importados e anunciando 109 empregos não-qualificados. As referências à "tecnologia inovadora" e à "participação das Universidades" do Presidente seriam encorajadoras se ele estivesse a falar de entidades portuguesas, mas sobre isso admito que o tivessem equivocado. A usual Martifer montará a maior parte dos painéis solares "fabricados" em Portugal mas, como se queixou o dirigente da GEOTA Manuel Santos, "a instalação de colectores solares em 65 mil habitações individuais não vai ter impacto no abastecimento energético do país, gerando apenas negócio para algumas empresas". Na verdade, trata-se de um negócio em tudo similar ao da energia eólica em Portugal, embora em menor escala, essencialmente um comércio de importação alimentado por subsídios públicos. Aquilo a que um antigo pensador político chamava de economia "burocrático-compradora"...

É verdade que o panorama mundial de fabrico de módulos solares é caracterizado por uma estratégia europeia de subsidiação à compra (tarifas "feed-in"), como em Portugal, mas que tem beneficiado sobretudo os fabricantes da Alemanha, até recentemente o país maior produtor destes módulos, aliás como de turbinas eólicas. Também a nossa vizinha Espanha tem várias grandes fábricas com tecnologia própria, particularmente na região de Valença, algumas das quais resultam de projectos iniciados há mais de 25 anos, quando em Portugal o Prof. Leopoldo Guimarães se interessava também pelo assunto na sua Faculdade mas sem que, entretanto, tenha havido no país qualquer iniciativa que transformasse esse interesse científico em produção económica, ao contrário de Espanha e já sem falar da Alemanha...

Ora uma estratégia diferente da subsidiação à compra tem sido a da China, cujos Governos central e regionais têm subsidiado antes a produção, com a exportação dos seus painéis a preços inferiores aos próprios custos marginais de produção (i.e., subtraindo os custos fixos administrativos e de I&D). Com esta estratégia, a quota chinesa do mercado mundial de painéis solares cresceu de 7% para 26% em apenas 4 anos, de 2005 a 2009, enquanto a produção dos EUA, em tempos pioneiro e líder, é agora de apenas 5%. A China acaba de ultrapassar a Alemanha como primeiro fabricante mundial de painéis solares o que, juntamente com a crise mundial de crédito, já criou dificuldades à Q-Cells, o fabricante alemão que detém a 2ª posição mundial como produtor e que teve por isso de despedir há semanas 500 dos seus 2600 trabalhadores. Esta concorrência é agravada, para os fabricantes europeus, pela radical redução da subsidiação à compra pelos Governos alemão e espanhol verificada em 2009. De facto, na Alemanha os políticos não estão para pôr os seus contribuintes a subsidiarem indústrias estrangeiras (como afirmou Markus Wieser, porta-voz da Q-Cells), e a Espanha parece ter a mesma atitude (aliás, só Portugal a não tem). Ora, juntas, a Alemanha e a Espanha constituem 70% do mercado mundial de módulos solares!

A posição da Q-Cells no ranking mundial de fabricantes de painéis foi já alcançada este ano pela Suntech Power Holdings chinesa, e este autêntico blietzkrieg chinês compromete mortalmente também, claro, os parcos investimentos feitos em Portugal na montagem de painéis solares estrangeiros. Diversos especialistas consideram, aliás, que nem a Europa nem os EUA têm hipóteses de concorrerem com a China. A China, entretanto, ainda não instalou no seu próprio território uma única central solar e, a primeira que anunciou, para 2010, exige 80% de incorporação chinesa...
Mas qual é a tendência evolutiva dos preços de produção da energia solar e, portanto, que papel se pode esperar para ela no futuro próximo?

Cerca de metade do custo de um módulo solar está nos painéis, mas a outra metade vem dos conversores electrónicos necessários para a sua utilização e dos custos de instalação. Nos últimos anos, o custo total dos módulos tem baixado, mas isso deve-se principalmente aos conversores electrónicos e à automatização das montagens, e não ao componente principal dos módulos, as células foto-eléctricas.
Inicialmente de silício cristalino (o mesmo material de que são feitos os chips electrónicos), a evolução tecnológica juntou-lhes outras alternativas, das quais a mais rentável é presentemente a de películas finas (thin-film). Embora o rendimento energético das películas finas seja o pior, o seu menor custo de fabrico e maior longevidade compensam largamente esse pior rendimento, levando ao menor custo por kw de potência de pico.
No entanto, existem outras tecnologias em evolução competitiva, todas procurando o menor custo de fabrico por unidade de energia eléctrica produzida, de modo que é possível esperar que, a prazo de alguns anos (digamos, uma década), uma das tecnologias emerja como a consistentemente mais rentável. Porém, como é difícil prever que tecnologia será essa, também o é a forma dos módulos dela derivados e as condições ideais da sua exploração (a opção do "solar concentrado", por exemplo, requer grandes instalações cobrindo áreas consideráveis de terreno). É uma situação similar à existente com as baterias dos (futuros) carros eléctricos.
Presentemente, entretanto, o menor custo de produção obtido experimentalmente e já este ano para painéis solares de película fina é de 1 USD/Kw, um custo que torna o custo de investimento por kwh ainda duplo do da energia eólica (dado que os factores de utilização médios das instalações com painéis seguidores do Sol e das eólicas são respectivamente de 21% e de 25% e que falta ainda contabilizar o custo de investimento da integração dos painéis com os conversores e controladores), mas um recente estudo da Universidade de Berkeley para a Administração Obama mostra que será muito difícil conseguir melhor nos próximos anos.

Face aos custos insustentáveis da energia solar (o sol é grátis mas, tal como o vento, a água dos rios e até o petróleo do sub-solo, o problema é a sua transformação em algo utilizável), não admira que a totalidade mundial das instalações solares produtoras de electricidade não produza mais do que a energia gerada por uma única grande central nuclear ou a carvão!
Como afirma o mencionado estudo da Universidade de Berkeley, "the message ... is that unlike the stock market, we need to think long-term, and plan for the solar power we want to see a decade or more in the future. And that means doing some painstaking basic research on neglected materials that, for now, cost a lot more than a dollar a watt."
Esta é a estratégia recomendada para países que têm estratégias.

Para Portugal, e dada a triste realidade de desde Ferreira Dias não se planear a prazo em termos de política industrial e tecnológica, resta o que o Presidente da República recomenda na sua intervenção acima inserida: "redução do consumo" e "aumento da eficiência energética". Ou, noutros termos quiçá duros mais mais claros: aprendermos a viver pobremente da melhor maneira! E, acrescentaria eu: começar a trabalhar para um horizonte de daqui a uma década...
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Hoje mesmo, o Público on-line dá conta de uma notícia que confirma e completa este post e que pode ser lida aqui com maior detalhe: a China e a First Solar, o maior fabricante mundial de módulos solares (americano) e que ainda supera a alemã Q-Cells e a chinesa Suntech Holdings, acordaram no fornecimento de uma gigantesca central solar de 2000 Mw (potência de pico, correspondendo a 300 MW de potência média, pouco mais de um terço da da nossa central a carvão de Sines), ocupando uma área de 65 km2, na Mongólia interior. O custo previsto para a central é da ordem dos 2,5 a 3 USD/w, muito acima do desejável 1 USD/w que traria o custo da energia produzida pelo solar para um valor ligeiramente inferior à de origem eólica, mas os chineses esperam conseguir reduzir-lhes os custos. Vão também adoptar uma subsidiação à compra dessa energia, para a viabilizar. E, como sempre o têm feito, hão-de usar isso para aprenderem a tecnologia e para terem argumentos para exportar depois para os EUA...

3 comentários:

trigonometria disse...

...hoje, vim visitar-te. Até porque, curiosamente, estou a fazer um trabalho sobre o efeito de estufa.

Boa noite, fica bem.
Bjinhos

João Pimentel Ferreira disse...

Meu caro

Li atentamente o seu artigo!
Em relação às questões da subsidiação e dos preços altos da energia tenho apenas a dizer o seguinte a todos os ambientalistas que com esta política ideológica "matamos dois coelhos de uma só cajadada": incentivamos as energias renováveis e desincentivamos o consumo energético!

Ou seja, eu como consumidor consciencioso do planeta onde vivo, não me importo de pagar mais pela luz, se souber que esta vem na sua maioria dos aerogeradores ou do sol, e segundo, com o preço alto da luz, farei todos os esforços para que seja mais eficiente energéticamente.

Se os EUA e a China não ratificaram Quioto, é tão-somente porque não passam de governos irresponsáveis e insensíveis face às alterações climatéricas que vão acontecendo no planeta. Podemos todos voltar ao carvão e começamos todos a queimar desmesuradamente carvão, uma energia barata, mas com graves consequências para o planeta pelas altas emissões de CO2.

Já em relação ao facto de a tecnologia das renováveis ser estrangeira, bem meu caro, diga-me lá o que é que se faz por cá de tecnológico de relevo, sem ser rolhas e vinho? E o NAL, e a Alta Velocidade, e a expansão do metro de Lisboa, não se fazem à custa de tecnologia estrangeira?

Não sou do PS, não trabalho na EDP, nem em nenhum revendedor de aerogeradores, mas creio veementemente, que foi das únicas políticas POSITIVAS do governo Sócrates, foi a política energética!

Altos incentivos às renováveis-> Maior soberania nacional do ponto de vista energético a longo prazo.
Energia CARA-> Fomenta a eficiência energética

Concluindo, como sou ambientalista: consumimos menos energia, e a que consumimos provem de fontes renováveis. Só posso concordar!

Pinto de Sá disse...

Meu Caro
Está no seu inteiro direito de querer pagar mais pela electricidade para salvar o planeta, de acordo com as suas convicções.
Concordará, por certo, é que não pode impor isso aos seus concidadãos. Ou seja, que eles devem poder decidir DEVIDAMENTE INFORMADOS sobre o dilema de darem o seu contributo de 0,1% do consumo mundial de electricidade a combustíveis fósseis para salvar a Humanidade, tendo de usar lenha para se aquecerem se pertencerem ao milhão de desempregados que temos, ou terem uma energia mais barata que lhes dê uma vida melhor.
Quanto à tecnologia nacional, já me admiro que diga que não fazemos nada, sendo Eng.º do IST!
Se procurar neste blog, aprenderá que em 1970 tínhamos 80% da nossa electricidade toda de fontes renováveis (hídricas), em que quase tudo fora de fabrico e CONCEPÇÃO nacional!...
Por outro lado e quanto à soberania nacional que as eólicas e as fotovoltaicas nos garantem, já ponderou em quanto custam os respectivos equipamentos, na maioria impotados, financiados com crédito externo que estamos agora a pagar a taxas de juro usurárias?
Não exportamos euros pelo carvão, e exportamo-los pelo crédito com que importámos os equipamentos, em troca do carvão. Não vejo grande ganho, quanto a soberania nacional...