sábado, abril 02, 2011

O risco de estar vivo - Fukushima "update"

Estar vivo é uma actividade cujo risco acumulado é sempre fatal!
Posto isto, a singularidade humana consiste em enfrentar permanentemente e desde sempre esse risco ganhando controlo sobre as ameaças. "Transformando o mundo em função das suas necessidades", dirão os marxistas, chamando a isso "trabalho" e que consideram a essência da natureza humana. "À imagem de Deus", dirão os crentes nas religiões dos livros.
Como indivíduos, luta-se contra o risco "fazendo pela vida". Mas além de indivíduos somos elementos sociais, inseridos em organismos, e por isso também lutamos contra os riscos que ameaçam o grupo. Não somos aliás únicos nisso - qualquer vertebrado defende as suas crias...
No caso humano, porém, esta luta pela imortalidade (ou contra a morte, como queiram) levou à criação das civilizações. E, embora a maioria delas tenha perecido pelo caminho, há legados que se têm vindo a passar num crescendo de imunidade à morte.
Tudo começou quando deixámos o corno de África há uns cem mil anos. Hoje tentamos compreender e dominar o ADN, e mandamos sondas fotografar de perto planetas distantes. Já sabemos que também há planetas fora do sistema solar, e não paramos. Parar é morrer. Individual e colectivamente. É o super-vulcão de Yellowstone que pode irromper. Um asteróide perdido que nos pode extinguir. Um novo vírus, com letalidade e tempo de incubação entre o HIV e o Ébola, que pode surgir de alguma mutação aleatória. E, mesmo que nenhuma dessas más surpresas ocorra, hão-de haver novas épocas glaciares e novos estios gerais, e por fim o Sol há-de esmorecer. Quem julga que o Universo é pacífico e o stress uma alienação, que veja os filmes e as fotos das luas de Júpiter!...
Há, porém, uma ideologia persistente que acredita que os bons tempos eram aqueles em que, de geração em geração, se vivia na natureza, em "harmonia" com ela. O mais parecido com isso que houve, porém, foi a Idade Média, onde um dia apareceu a peste negra e matou 1/3 da população europeia. Para já não mencionar o desaparecimento geral da megafauna do planeta com a proliferação da nossa espécie, no fim da última glaciação, muito antes sequer da História, quanto mais da sociedade industrial que os ecotópicos culpam pelo suposto "desequilíbrio" com a Natureza...
Contra essa utopia ecológica, relativamente à qual partilho muito do que pensa o meu guru ideológico de há 40 anos, a Humanidade tem vindo sempre a querer mais. O que não admira, enquanto formos mortais. E estaremos sempre em risco enquanto não dominarmos a biologia e, em última análise, a galáxia, e mesmo aí...
É evidente que, no presente, o maior risco para o Homem é o próprio Homem. Com esse risco não sabemos bem como lidar: parece haver agora um consenso de que o melhor é permitir a liberdade de cada forma de expressão humana, o paradigma do "equilíbrio dos ecossistemas, da harmonia na diversidade interactiva". Filosoficamente não estou certo que isto se mantenha, mas pelo menos somos mais felizes que no paradigma ecológico que esteve na moda até ao esmagamento do nazismo, o da "lei da selva" em que "vencem os mais fortes"...! Mas não tenho qualquer dúvida que só muito recentemente e ao atingirmos o presente  estádio de civilização é que começámos a cuidar da preservação da Natureza e a respeitar as diferenças mesmo entre nós, humanos!
O certo é que enquanto não pudermos viajar pelo espaço inter-planetário e um dia pelo inter-estelar, como espécie estaremos em risco mortal. E, para isso, precisaremos de energia. Nem fóssil, nem renovável. Apenas com energia nuclear será possível viver "out there"!...
Portanto, aprendamos com Fukushima e sigamos em frente!

As últimas notícias sobre a situação na central nuclear de Fukushima-Daiichi são boas, por mais que o terrorismo eco-fascista o tente ensurdecedoramente iludir. Podem ser consultados resumos "certificados" aqui, no site do MIT. Desde o meu último post sobre isto, a situação estabilizou:
  • dentro dos reactores, a água está agora líquida, cobrindo as varas de urânio, e as piscinas de resíduos mantêm-se cheias de água, graças aos carros especiais japoneses e aos a chegar de outros países;
  •  Foi detectada água contaminada nas caleiras e caves dos edifícios dos reactores, alguma dela altamente radioactiva(1000 mSv/h!), a do reactor nº 2 cujo toro de refrigeração deverá ter sido fendido pela explosão de hidrogénio quando da sua ventilação, o que dificulta a aproximação dos trabalhadores (em Chernobyl foram lá mesmo assim e 28 morreram, mas estamos noutra galáxia, apesar das porcas mentiras que se propalam sobre isto). A água está a ser bombeada a bom ritmo para reservatórios mas, pela 1h30 de hoje em Lisboa detectaram uma racha de 20 cm na trincheira do reactor nº 2, de onde estaria a correr água para o mar - estando em curso o enchimento com cimento dessa racha (talvez com os robôs que já lá estão a realizar a melhor tarefa para que se pode desejar um robô...)! A água destas trincheiras, porém, proveio não dos reactores mas sim do tsunami, embora tenha efectivamente sido depois contaminada.
  • Houve 20 trabalhadores que receberam doses de radioactividade superiores a 100 mSv; o limite legal no Japão, nestas condições de trabalho, é de 250 mSv. Há porém, um trabalhador que se feriu numa queda ao mar quando ajudava na atracagem de um navio-tanque americano e outro que sofreu uma entaladela, além dos 3 que se queimaram nos pés quando entraram pela primeira vez no edifício do reactor e, às escuras, não notaram que havia água (radioactiva!) no chão e não ligaram aos avisos dos monitores individuais que todos transportam...
  • Claro que há radioactividade na água do mar perto da central, resultante quer das ventilações ocorridas nos primeiros dias, com as infelizes explosões do hidrogénio presente no vapor ventilado juntamente com resíduos radioactivos, quer da provável fissura existente no toro de arrefecimento de um dos reactores (resultante de uma dessas explosões do hidrogénio) e que contaminou a água de refrigeração que escorreu para as trincheiras exteriores ainda alagadas pelo tsunami! Os mais recentes registos estão aqui, mas é evidente que a radioactividade no mar não tem importância: as correntes e a diluição natural em pouco tempo reduzirão a concentração dos resíduos a valores inócuos - se não fosse assim, teria havido graves consequências dos testes que em tempos se fizeram com dezenas de bombas nucleares explodidas no mar!!! Neste momento, as concentrações de Iodo-131 são à volta de10 Bq/litro, e as de Césio-134 de menos de 1 -4 Bq/l; as doses máximas recomendadas para alimentação infaltil pelo Euratom são de 150 Bq/l para o Iodo-131 e 400 Bq/l para o Césio e outros, embora o Japão seja ainda mais exigente e estabeleça 100 Bq/litro como limite de Iodo-131 para crianças...
  • A água já se pode beber em todo o Japão, isto é, a sua concentração de Iodo-131 e outros resíduos menos graves desceu abaixo dos limites ultra-seguros estabelecidos pela OMS, excepto em 4 localidades próximas da Central;
  • De 113 locais em que foi monitorizado o nível de radioactividade no solo e produtos alimentares agrícolas, também em 4 foram detectados níveis de Iodo-131 e Césio superiores aos limites legais. Entretanto, e dada a estabilização da situação, o Governo japonês começou no passado dia 30 a estudar as condições de regresso das populações deslocadas.
  • De um modo geral e para quem se quiser manter actualizado, recomendo a consulta deste site oficial. Para quem queira uma excelente descrição gráfica do que sucedeu, sugiro isto.
Entretanto, e embora já tenha notado que tudo isto aconteceu na central nuclear mais antiga do Japão, entre 17 que o país tem e que sofreram como esta o terramoto de grau 9 que o assolou, e que toda a situação foi agravada pela impossibilidade de ajuda imediata do exterior devida à destruição geral causada pelo tsunami - fora da central mas também nos acessos aos edifícios dos reactores - vale a pena considerar algumas das coisas ali sucedidas que não aconteceriam numa central moderna de 3ª geração e que o Japão também tem, desde 1996.
Para começar, haverá que evitar que os sistemas de reserva de energia possam ser sim­plesmente eliminados por um maremoto ou algo equivalente como em Fukushima-Daiichi. Nas nucleares de geração III europeias (EPR) existem quatro sistemas de gera­dores Diesel redundantes e separados, dois dos quais estão colocados em casama­tas à prova de água, dos quais basta um único sistema para manter o núcleo do reactor em temperaturas seguras após a desligação da central. Se esta for construída perto da costa, os Diesel poderão ser colocados do lado mais afastado do mar, usando os edifí­cios da central como barreira adicional para condições de tempo extremas, ou mare­motos.
Nas nucleares de geração III americanas (AP 1000) todos os sistemas de energia de reserva estão protegidos dentro do edifício blindado e dentro do seu contentor inte­rior, e portanto não estão em risco face mesmo às mais extremas condições naturais anóma­las. Além disso os sistemas de segurança passiva destas centrais não requerem ali­mentação, visto serem projectados para simplesmente permitirem que caia água no núcleo por efeito da gravidade e que circule depois apenas por convecção natural.
Mesmo que todos estes sistemas falhem e ocorra fusão do núcleo do reactor, as conse­quências radiológicas externas não seriam nestas centrais sequer como as relativamente menores verificadas em Fukushima. Em primeiro lugar, ambos estes tipos de centrais têm sistemas de mitigação do hidrogénio, portanto sem possibilidade do tipo de explosões ali verificadas. Por outro lado, a EPR dispõe de um contentor duplo e de uma cova de espalhamento do córium (nada pode sair dele), enquanto o contentor de aço da AP 1000 pode ser indefinidamente arrefecido do exterior.

Entretanto, uma provável e inesperada lição a tirar é a vulnerabili­dade das piscinas de arrefecimento dos resíduos a faltas prolongadas de energia. Embora possam levar semanas a atingir a temperatura de ebulição, Fukushima demonstra que essa possibilidade existe, o que recomenda que a quantidade de resí­duos ali mantida seja minimizada, de modo a limitar o calor que geram. Isso, por sua vez, conduzirá provavelmente à recomendação de que os referidos resíduos sejam sempre, tão cedo quanto a sua temperatura o permita, processados e transferidos para cascos secos, sem necessidade de água com circulação forçada.

Energia nuclear? Contra isto aqui é que há que ser contra! E uma boa forma é "queimar" o urânio e o plutónio dessas bombas em reactores!

5 comentários:

Gonçalo Aguiar disse...

Caro Professor:

Excelente texto!
Sendo este um bom blogue de ciência é importante sublinhar que somos humanos e por isso imperfeitos. A falha e o erro são os principais factores que nos trouxeram da idade da pedra até agora. É uma coisa chamada Método Científico! Experimentar -> Errar -> Aprender.
Quem condena a falha é porque não quer aprender.

Falhou-se na construção de uma central nuclear segura. Mas pelo menos aprendemos com isso, e certamente não cometeremos o mesmo erro no futuro.

Lura do Grilo disse...

Parabéns pela prestação no programa da RTP.

Francisco Domingues disse...

Caro professor,
Realmente não tem comparação a emissão de radiações de Fukushima com as que foram emitidas pelas numerosas explosões de testes nucleares no deserto e no mar. Devia-se agora lutar para que todas as centrais fossem reconvertidas em III geração, não acha? E, para nós, impedir que Almaraz "viva" por mais 10 anos! Infelizmernte, devido à crise, não podemos lutar para que se construa uma nuclear portuguesa ou ao pé de Almaraz ou junto ao mar. Temos de esperar!
Saudações!

Anónimo disse...

Gostaria de perguntar ao Prof. Pinto de Sá e ao Prof. Domingues, quais são as localizações sugeridas para a construção de um reactor nuclear em Portugal.
O prof. Domingues já avançou a costa e outra localização, "ao pé de Almaraz". -"Ao pé de Almaraz"?
Mas Almaraz não fica a 100km da fronteira?

Ainda no que respeita a este post, o Sr. Pinto de Sá diz que, a humanidade só sobreviverá se conseguir chegar a outros planetas
e alcançar a viagem "inter-estelar".
Para isso, afirma que sem o nuclear essa viagem não será possivel. Pergunto se realmente acredita que um dia o homem conseguirá produzir uma máquina que possa viajar à velocidade da luz, para poder, por exemplo, alcançar a estrela mais próxima da Terra?
Em minha opinião só se poderá alcançar a viagem inter-planetária quando se dominar por completo a nanotecnologia em geral e a biológica em particular. Tudo o que estiver aquém deste dominio ciêntifico será uma viagem sem regresso. Para além disso, o corpo humano não está adaptado a viver no espaço por longos periodos e isso ficou provado nos problemas de saúde dos cosmonautas russos depois de passarem meses na estação MIR.
Quanto à viagem inter-estelar, penso que isso nunca estará ao alcance de máquinas com conmbustiveis convencionais como sejam o nuclear. Terá que ser algo bem mais avançado do que isso.

Pinto de Sá disse...

Anónimo,
1) quanto ao que penso sobre energia nuclear em Portugal, consulte os meus posts iniciais na rubrica "nuclear". Não vou repetir-lhe o que já escrevi.
2) Quanto às suas considerações "científicas", são superficiais. Nuclear um "combustível convencional"? E quam disse que as viagens inter-estelares se fariam com as tecnologias actuais? Mas claro que para chegar às tecnologias futuras é preciso desenvolvê-las a partir das actuais; sabe alguma coisa de como se desenvolve tecnologia?