quinta-feira, março 25, 2010

Mais urânio em saldo!

Ora aí vêm mais Urânio e Plutónio a preços de saldo para as centrais nucleares! Os EUA e a Rússia chegaram a acordo para uma nova redução significativa do número de ogivas nucleares dos seus arsenais!
Como se sabe, nos últimos anos as ogivas desmanteladas na sequência do acordo feito ainda no tempo de Gorbachov e Reagan têm estado a converter-se em energia barata em largas regiões do mundo, depois do respectivo "explosivo" ter sido re-empobrecido da habitual concentração de 80% usada nas bombas para os poucos % necessários nos reactores.
Agora que a Coreia ganhou o contrato de fornecimento de 4 reactores para os Emiratos Árabes Unidos (5000 MW, a instalar até 2020), mas em que os EUA asseguraram o fornecimento do Urânio enriquecido, este acordo de desarmamento permite continuar este feliz negócio: transformar a sucata das bombas atómicas em fonte pacífica de energia!

terça-feira, março 23, 2010

Se tivéssemos energia nuclear em vez de eólica também precisaríamos de bombagem hidroeléctrica?

Tenho ouvido muita gente que pensa que a existência de centrais nucleares também requer obrigatoriamente capacidade de armazenamento de energia para as horas de fraco consumo, ou seja, de bombagem hidroeléctrica, à semelhança das eólicas. Até já ouvi dizer isso a alguns nuclearistas!...
Mas trata-se, de facto, de uma grande confusão.
O plano do Governo é o de virmos a ter 5700 MW de potência eólica instalada, o que ultrapassa em muito o consumo nacional das horas mortas da madrugada, e é por isso que são precisas hidroeléctricas reversíveis que consumam o excedente dessa energia. Essas eólicas todas, +2/3 do que já tínhamos no final de 2009, só de vez em quando produzirão o máximo, que será de uns 5000 MW para o conjunto do país, embora muitas vezes haverá que produzirão mais que o consumo mínimo nacional de 3300 MW, e daí o uso previsto regular da bombagem. No entanto, em MÉDIA, essas eólicas só produzirão 1/4 disso, cerca de 1400 MW, e é este valor que interessa para saber a energia gerada. E isto é assim porque se há ocasiões em que as eólicas poderão produzir os tais 5000 MW, outras haverá e muitas em que só produzirão uns 500 MW. Depende do vento...
Ora um único reactor nuclear típico de 1650 MW produz uma MÉDIA de 1500 MW ao ano (pára uns 9% do tempo, cada ano e meio, para recarga e manutenção), portanto mais energia que os 5700 MW de eólicas, mas nunca ultrapassa os 1650 MW e também raramente desce abaixo disso, a não ser que se queira. E, se nunca ultrapassa os 1650 MW, mal atinge metade do tal consumo mínimo nacional de 3300 MW, e portanto nunca o excede, e portanto não precisa de bombagem nem de armazenamento nem de hidroeléctricas para nada!
Se tivéssemos 80% da energia eléctrica de origem nuclear, como a França, é que o problema se colocaria! Para isso teríamos de ter não 1 mas sim 3 reactores de 1650 MW, que produziriam uma MÉDIA  de 4500 MW, mas geralmente estariam a produzir perto dos tais 5000 MW que as eólicas produzem ocasionalmente. Mas isso era se tivéssemos 80% da electricidade de origem nuclear!...
Os franceses, de facto, usam a bombagem para regularizar a produção das suas nucleares.
Mas basta ver que a Espanha, aqui ao lado, tem 9 reactores nucleares e 6 vezes o nosso consumo nacional de electricidade, e tem muito menos bombagem do que Portugal vai ter depois de construir todas estas hidroeléctricas reversíveis...

segunda-feira, março 22, 2010

Mais sobre a lógica técnico-económica das hidroeléctricas

Neste caso do investimento nas hidroeléctricas têm-se feito umas enormes confusões, havendo até quem pense que eu estou contra o aproveitamento dos recursos hídricos nacionais!
No meu primeiro post sobre este tema, há uns 6 meses, expliquei tudo em detalhe, depois resumi as conclusões, de novo, aqui e aqui, mas até engenheiros licenciados em Energia e Sistemas de Potência por Universidades credíveis me dizem não ter paciência para ler aquilo tudo (!) e quererem que eu "vá directo ao assunto"!...
Vamos lá a ver então se repesco algumas das coisas que já expliquei por aqui, resumindo-as:
  • Um reforço de potência não aumenta a energia hídrica de um rio. A energia que se pode aproveitar da água é a energia mecânica potencial dada pela massa de água vezes a altura da sua queda. "Reforçar a potência" é aumentar a capacidade de turbinar a água, é pôr turbinas mais largas ou pôr mais turbinas, mas isso não aumenta a quantidade dessa mesma água e, portanto, não aumenta a energia que há nas albufeiras. Por conseguinte, um reforço de potência só aumenta a velocidade, a taxa a que se consegue turbinar a água, mas não a quantidade existente dessa água. Potência e energia não são a mesma coisa! Potência é só a a velocidade a que se consegue produzir ou consumir a energia; a única potência de uma central que tem alguma coisa a ver com a energia que ela produz é a potência média, que é a energia efectivamente gerada dividida pelas horas do ano, e não a potência instalada. Nas centrais termoeléctricas, incluindo os grupos Diesel, é que a potência instalada é razoávelmente proporcional à energia, porque essas centrais trabalham regularmente à potência nominal, mas nas fontes renováveis isso não é nada assim! Só trabalham quando há água, vento ou sol!...
  • Os diversos tipos de centrais eléctricas formam um sistema interligado electricamente. Pode-se pensar que construir hidroeléctricas não tem nada a ver com eólicas, solares ou termoeléctricas em termos de operação do sistema eléctrico, mas é errado. As centrais estão todas interligadas electricamente e aos consumidores e complementam-se. A principal necessidade desta complementaridade resulta de o consumo seguir um padrão dário (e semanal, e anual) que depende dos consumidores, enquanto as centrais eléctricas produzem conforme a sua disponibilidade. Em regra uma coisa não confere com a outra, e por isso é preciso um mix de centrais que permitam adaptar a produção ao consumo, ligando ora umas ora outras. No caso das eólicas e do solar, não há mesmo nenhuma controlabilidade e a sua produção é muito intermitente, pelo que há duas soluções teóricas para as compatibilizar com o consumo.
  • A solução economicamente racional para compatibilizar as fontes intermitentes de energia eólica e solar com o consumo é só ter delas uma quantidade limitada. Se as fontes de energia intermitente forem em quantidade moderada, o sistema eléctrico pode adaptar a produção ao consumo usando outras centrais que cubram a diferença, e que existem por mérito próprio: hidroeléctricas com alguma capacidade de armazenamento, que possam suspender a produção quando há da outra energia em abundância, reservando a água que vem dos rios nas suas albufeiras, para a turbinar depois quando há falta, e termoeléctricas de resposta rápida - como as a gás, a parte a gás das de ciclo combinado, e parcialmente as a carvão e as modernas nucleares. Não exceder o razoável que permita este funcionamento complementar é não ter mais que para aí uns 10%, 15% no máximo, do total de energia de origem eólica e solar!
  • A outra solução que tem custos absurdos é construir gigantescos armazéns de energia. Se as fontes intermitentes eólica e solar ultrapassarem o valor de referência que apontei, haverá muitas ocasiões em que não produzem quase nada e é preciso ter termoeléctricas para as substituir, que têm de existir e ser pagas mesmo que em média se usem pouco, e por outro lado haverá outras ocasiões em que produzem mais que o consumo. E é aqui que a única solução para este problema é ter maneira de armazenar essa energia ocasionalmente excedentária! Ora esse armazenamento é caríssimo e só se justifica por haver excesso, e apenas pontualmente, de energia eólica ou solar, e é esse o papel das hidroeléctricas reversíveis - que consomem esse excesso de energia eólica e solar bombeando água para as albufeiras, para depois a devolverem quando há de novo falta de energia no sistema - mas perdendo, nesse processo, cerca de 1/4 da energia produzida por essas eólicas e solares!
  • Se as hidroeléctricas planeadas fossem só para aproveitar os recursos hídricos, o investimento associado, que terá de ser pago pelos consumidores, seria muito menor. Dos 4900 milhões de € falados para a totalidade das novas hidroeléctricas, pelo menos 1000 a 1500 milhões serão para os 6 reforços de potência reversível de aproveitamentos que já existiam e que, como expliquei, não vão produzir mais energia do que a que já havia; vão apenas servir para armazenar energia de origem eólica. E, dos outros 3400 a 3900 milhões, também provavelmente menos de metade chegariam para dar uso à agua dos respectivos rios. O grosso desses investimentos vai ser para criar o tal armazenamento de energia eólica e solar.
Em suma, não é contra a exploração dos recursos hídricos nacionais que eu me manifesto. É contra o excesso de energia eólica e solar (esta, prevista) que, além de caríssimas, pouca incorporação nacional contêm e, ainda por cima, exigem agora dispendiosos meios de armazenamento de energia para poderem continuar a crescer muito acima do técnica e economicamente razoável!

Explicando as contas da energia que vão produzir as hidroeléctricas como se fossem muito burros

Algumas pessoas parecem incrédulas com as contas que tenho apresentado sobre a energia nula ou mesmo negativa que os novos investimentos hidroeléctricos em projecto ou construção vão produzir, pelo que vou tentar explicar essas contas da forma mais simples que consigo, partindo do princípio que quem me lê nada sabe de engenharia.
  1. As 8 novas barragens do "programa nacional de barragens com elevado potencial hidroeléctrico" (PNBEPH) vão produzir em média anual, de origem hídrica, 128 MW. Mais as 2 de Ribeiradio e Sabor, e mais os reforços de potência em outras 6, temos um total de 175 MW. Estas contas fazem-se dividindo a energia média anual constante da própria memória descritiva do PNBEPH pelas 8760 horas do ano.
  2. Segundo os números disponíveis no site da EDP, quando as barragens estiverem prontas, no total produzirão anualmente em média 17,9 TWh em bruto, mas só 13,3 "líquidas de bombagem". Quer isto dizer que a diferença entre esses dois números é a energia produzida a partir da bombagem, o que dá 525 MW em média anual.
  3. Como o rendimento total do processo de bombagem e posterior turbinagem é de 75%, para que as barragens produzam 525 MW de origem eólica, têm de consumir 4/3 disso, ou seja, 700 MW.
  4. No total, portanto, as barragens produzirão em média 525+175= 700 MW, mas também consumirão 700 MW de origem eólica (ou solar). Portanto, o saldo energético das barragens será nulo.
Poderão dizer que não faz mal porque os investimentos serão privados e não do Estado, que é bom aproveitar os recursos hídricos nacionais e gerir as águas, etc. Tudo isto já aqui foi discutido, excepto a questão da gestão das reservas de água.
Quanto a este aspecto, noto apenas que a própria memória descritiva do PNBEPH diz que foram consultadas as autoridades do assunto relativamente a cada barragem e nenhuma manifestou interesse na água, com excepção do Alvito.

domingo, março 21, 2010

Uma cental nuclear levaria 10 a 12 anos a realizar?

Recentemente e quase em simultâneo, o Ministro da Economia do Governo PS e o ex-ministro do último Governo PSD e actual Presidente da EDP convergiram numa mesma e curiosa afirmação sobre a opção nuclear para o sistema energético nacional: que ela levaria 10 a 12 anos a realizar e, portanto, que isso seria demasiado tempo para as urgências energéticas nacionais. Simultaneamente, e em perfeita convergência de centrão, ambos defenderam a continuação da aposta nas renováveis e em particular a construção dos aproveitamentos hidroeléctricos projectados.
Ora na verdade não há razão nenhuma, na própria lógica em que ambos estes senhores raciocinam, para que a opção nuclear tenha que levar tal prazo a realizar. Basta um ano para realizar o Caderno de Encargos e 4 para a construção, pelo que se quisessem fazer tal opção na realidade em 5 anos, 6 no máximo, poderiam ter a tal central nuclear em Portugal.
Quem apontou para um prazo de uns 10 a 12 anos fui eu, mas porque defendi que tal escolha fosse feita com o tempo necessário para que o país se preparasse e tirasse o melhor partido dela, ao contrário do que tem sido feito com as renováveis e da lógica com que estes senhores raciocinam. Porque, se ainda não tivéssemos feito nenhuma opção relativamente às renováveis e estivéssemos agora a considerá-las pela primeira vez, eu defenderia exactamente o mesmo: que houvesse tempo para o país criar uma indústria nacional com tecnologia própria antes de se começarem a montar eólicas e solares, de modo a que elas fossem de fabrico e concepção nacionais, quando viessem!
A bem das tais criações de emprego e de valor acrescentado de que o país tanto necessita e que têm sido tão mistificadoramente desprezados por estes senhores!

E entretanto, um novo apostador no futuro do nuclear como opção energética principal e no desenvolvimento das respectivas tecnologias e indústrias se está a juntar ao binómio EUA-Japão, à França e à Coreia: a Rússia! Com efeito, há dias o New York Times descrevia os desenvolvimentos em curso na Rússia de reactores relativamente pequenos, de apenas 300 MW e capazes de serem transportados de comboio e adaptados a velhas centrais a carvão onde poderão substituir as fornalhas destas mas aproveitar toda a restante estrutura de produção de vapor, desenvolvimentos que visam mesmo chegar a mini-reactores de apenas 100 MW a produzir aos milhares...

sexta-feira, março 19, 2010

Os "multiplicadores de empregos" e os 30 mil que o Governo diz existirem nas energias renováveis em Portugal

Um interessante conceito do cálculo de impacto económico de uma determinada política que vise gerar empregos, é o dos "multiplicadores de emprego", uns factores que relacionam o número total de empregos directos criados e o número de empregos indirectos induzidos por estes.
Para introduzir conceitos, dou um exemplo: se para construir uma barragem atrás do sol posto são precisos mil trabalhadores durante 3 anos (com um pico de dois mil no auge da obra), há também que os alimentar, transportar, divertir e alojar, pelo que haverá um número razoável de empregados de tascas, de alugadores de quartos, de trabalhadores de lavandaria, de motoristas e de empregados de quiosques de venda de tabaco e jornais desportivos e até de animadoras nocturnas que deverão o seu ganha-pão a esses empregos directos.
Estes são empregos indirectos criados pelos directos, os dos trabalhadores da obra. E quantos serão?
Não é fácil saber, visto que não se faz um recenseamento centralizado desses empregos como se faz dos directamente criados pela obra mas, à falta de um estudo feito no terreno, podemos usar "multiplicadores de emprego" obtidos em estudos feitos noutros locais e para este tipo de trabalho. Não obtemos números exactos, mas teremos pelo menos uma estimativa, uma ideia, vá lá. Alguns trabalhos internacionais indicam um "multiplicador de emprego" de 1,6 associado à construção civil em geral, o que apontará para 1600 empregos gerados pelos mil da construção da tal barragem. Tão temporários quanto estes, claro...

A maioria dos multiplicadores de emprego associados às diversas actividades industriais varia, por exemplo, entre os 2,2 atribuídos às indústrias de produtos metálicos acabados e o máximo de 6,9 associados às extracções de petróleo e gás natural. De um modo geral, quanto mais a montante numa cadeia produtiva está uma actividade, mais empregos se pode considerar que são induzidos (a jusante) por essa actividade.
Uma boa fonte de informação sobre estes números é o Bureau of Economic Analysis (BEA) norte-americano. Claro que esses dados têm de ser usados com sentido crítico, porque os referidos multiplicadores variam muito de actividade específica para actividade específica, de região para região e até com a época. Mas, à falta de melhores referências, sempre nos servem para uma estimativa, uma ideia da ordem de grandeza, vá lá. Isto se encontrarmos dados que sirvam as nossas necessidades específicas...
Como o cálculo do emprego indirecto gerado pelo directo tem de recorrer a muitas hipóteses e informações cruzadas, ele pode procurar ser rigoroso, usando modelos matriciais de Input-Output, ou pelo contrário muito simples.
No limite e de acordo com a teoria marxista, o simples preço final de uma mercadoria reflecte a quantidade de trabalho que ela incorpora e, portanto, o emprego que requereu!
Nesta medida, por exemplo, quanto mais cara for uma fonte de energia eléctrica, tanto mais emprego cria, o que é no fundo o argumento dos que defendem que as energias renováveis criam mais emprego que as tradicionais.

Claro que este tipo de extrapolação é passível de múltiplas manipulações e omissões, conforme os interesses em jogo no que respeita a captar subsídios públicos. Além de passíveis de grandes exageros, os "multiplicadores de emprego" esquecem-se muitas vezes de quantificar que percentagem de cada emprego indirecto é efectivamente dedicado a satisfazer o directo, quanto tempo duram esses empregos, que empregos são destruídos ou se perdem pelo advento dos novos e, sobretudo, onde são esses outros empregos criados (se no estrangeiro, se no próprio país)!
Segundo o hyperlink que fiz acima, por exemplo, a mineração do carvão nos EUA empregava directamente 80 mil trabalhadores em 2001 e geraria mais 351,6 mil empregos indirectos (num total de 432 mil) e, segundo outras fontes credíveis, a esse número haverá que somar 31 mil no transporte e mais 60 mil nas centrais eléctricas a carvão, considerando embora que o número de empregos indirectos será da mesma ordem de grandeza da indicada antes (algumas poucas centenas de milhar), o que aponta para um "multiplicador de emprego" da mineração do carvão de uns 4.5.  Porém, a Associação Nacional de Carvão dos EUA estima em 1,5 milhões os empregos totais (directos e indirectos) criados pelo carvão, o que evidentemente está afectado de um "sobre-multiplicador político de emprego " de pelo menos 4 (x4.5...)!

Vem tudo isto muito a propósito do número de empregos afirmado no PEC (Plano de Estabilidade e Crescimento) como existente presentemente em Portugal, gerado pelas energias renováveis. Esse número é de 30 mil. E como terá sido esse número tirado?

Ora no relatório da Deloîtte feiro para a APREN e apresentado publicamente com grande pompa e circunstância nos finais do ano passado, o número era nos finais de 2008 de 36 mil. Só que, como o relatório mostra (pag. 8), esse número é a soma dos empregos indirectos estimados (33,7 mil) com os directos realmente recenseados: 2,4 mil! Este número não está longe do que eu tenho estimado para o presente, 3 mil, pelo que deve ser real.
Porém e pelo que reflecti convosco até aqui, dada a natureza de fim de cadeia produtiva da actividade nacional na matéria, o multiplicador de emprego plausível associado a estas actividades deve ficar algures entre o das actividades comerciais e o das indústrias de produtos acabados, ou seja e como ordem de grandeza, 2. Teremos, assim, induzidos por esses 2,4 mil empregos directos (ou 3 mil...), mais uns 5 a 6 mil empregos - mas quantos deles em Portugal?
Pelo que o número de 30 mil empregos alegados pelo Governo como existentes no presente deverão estar afectados de uma sobre-multiplicação política por um factor entre 3 e 5, e já é uma moderação do sobre-multiplicador da APREN, que será de uns 6!...! E, como não se precisou que se tratam de empregos reais somados a indirectos estimados, dando a entender ao povo ignaro que são todos directos, o sobre-multiplicador político é cerca de dez!...

Quanto aos números do futuro, os 120 mil empregos previstos para daqui a 10 anos, quando o nosso mercado já estiver saturado, são pura especulação.
Mas uma coisa é certa: para realizar as metas de Bruxelas será preciso fechar a central a carvão de Sines e "prescindir" do seu pessoal, o que os seus 500 trabalhadores directos e os indirectos que trabalham para os muitos empreiteiros que operam na Central há muito tempo justificadamente receiam - como também os das Centrais termoeléctricas de Setúbal e Carregado, e ainda os respectivos fornecedores de tabaco e jornais, frutarias e mini-mercados que os abastecem, e todos os outros empregos indirectos dependentes destes, na fila para o desemprego...

quinta-feira, março 18, 2010

Programar a Inovação tecnológica, doença infantil do planeamento económico

Uma das facetas do voluntarismo messiânico dos ecotópicos (um "nick" para ecologistas utópicos) é a crença de que o seu desejo de novas tecnologias "verdes" se pode tornar realidade pela fé, por muito o quererem, e por para tal financiarem os cientistas. E, por acreditarem nesta capacidade de o desejo se tornar realidade pela simples "muita vontade", têm o hábito de programar o futuro a contar com tecnologias que não existem e de que nem se faz a menor ideia de quando, como e a que custo virão a existir.

Exemplos gritantes desta fé utópica no desenvolvimento tecnológico, que assenta muito na "cultura científica" do Media Market, Nokias de última geração e plasmas de Alta Definição, são o automóvel eléctrico e a energia solar. De facto, essa fé está patente até em planos de Estabilidade e Crescimento de Governos responsáveis por países europeus, como por exemplo Portugal!...
O automóvel eléctrico sofre do problema da curta vida e alto custo das melhores baterias que se conhecem, e o solar a mesma coisa quanto ao Silício. Mas os ecotópicos acreditam que tudo se vai resolver com a mesma facilidade com que vão aparecer os "plasmas 3D"...
Ora estas duas desejadas tecnologias sofrem, como já discuti por aqui, de obstáculos tecnológicos de que não se faz (ainda) ideia de como ultrapassar, e por isso nenhum organismo internacional sério, incluindo o Painel Climático Inter-Governamental da ONU, fazem projecções para elas a prazos inferiores a 20 anos, 10 na melhor hipótese!...

Mas será que se se "apostar em força" não se conseguirá resolver esses problemas tecnológicos, saltando etapas e chegando lá mais depressa?

É chegado a esta questão que assomam à minha memória já bastante vivida os vários grandes projectos tecnológicos da História recente em que se apostou com voluntarismo semelhante e que não deram em nada.
O que melhor ilustra o fiasco deste tipo de voluntarismo é o "projecto da 5ª geração de computadores", decidido pelo Governo japonês nos anos 80, e que iria dar ao Japão a supremacia na competição então travada com os EUA pelo domínio da tecnologia de computadores.
O projecto teve financiamentos colossais, reuniu numa "cidade científica" enormes recursos, com a participação de todas as grandes empresas japonesas do sector, da Hitachi à Toshiba, e tinha um núcleo selecto de 100 jovens génios, que se esperava que conseguissem realizar o tal computador. Este caracterizar-se-ia por entender a linguagem humana falada e assentar na Inteligência Artificial, que à época se esperava que em breve produzisse máquinas como a ilustrada no filme "War Games", para aplicações pacíficas corriqueiras.
Não deu em nada. O que apareceu foi algo que ninguém previra noutras regiões do mundo, os computadores pessoais. E a Inteligência Artificial, pela qual eu próprio me entusiasmei à época (e de que ainda conservo um secreto entusiasmo), também não deu em nada do que se esperava.
Passados uns anos já toda a gente desistira de ter computadores que entendessem a linguagem humana falada e se ficava contente com a ideia de máquinas com a inteligência de insectos mas cooperantes, como as formigas...
O Japão, de resto, tendo uma histórica tradição de fascínio pela tecnologia como o nosso Fernão Mendes Pinto comprovou, é rico em histórias destas. E são eles, que inventaram as baterias de iões de lítio para os telemóveis da Sony, os primeiros a dizer que não é tão cedo que haverá alternativa aos automóveis híbridos, pois os puramente eléctricos nem sequer estão no horizonte...

Mas não há mesmo casos de projectos de inovação tecnológica cuja programação tenha sido suficiente para garantir resultados?
Há. Alguns.
Mas tiveram todos uma característica comum: o custo do produto final não interessava, desde que a tecnologia funcionasse. Refiro-me, é claro, a um dos dois únicos ramos da tecnologia onde isso acontece, onde o preço não interessa desde que solução funcione: a militar!
O projecto mais emblemático de demonstração do voluntarismo tecnológico que obteve o resultado pretendido foi o projecto... Manhatan! O da bomba atómica! Para quem o ignore, os recursos investidos foram tais que, por exemplo, à época os EUA compraram quase toda a prata que havia à venda no mundo, entre outros ingredientes do projecto!...
O projecto de desenvolvimento da bomba atómica foi bem sucedido mas nem mesmo esse demonstra que todo e qualquer projecto de desenvolvimento de tecnologia militar consegue chegar aos resultados pretendidos!
Um exemplo de fracasso de um projecto destes (paralelo ao japonês dos computadores de 5ª geração) foi o da "guerra das estrelas" de Reagan.
O projecto da "guerra das estrelas" requeria várias inovações tecnológicas, desde canhões de laser montados em satélites a mísseis anti-mísseis de alta precisão, e algumas destas tecnologias vieram a ser conseguidas (nomeadamente a dos mísseis anti-mísseis), mas havia uma componente no sistema que nunca se conseguiu realizar: um software de gestão de batalha sem bugs! E por isso, 30 anos depois o projecto reduziu-se à modesta ambição de conseguir deter uma meia dúzia de mísseis balísticos iranianos, que é o que hoje resta dele...

Coisas que quem acredita que a fé pode mover montanhas, neste caso realizar automóveis eléctricos e painéis solares baratos e fiáveis em prazo previsível, e mete essa fé em programas de governação, devia ter em conta...!

quarta-feira, março 17, 2010

O porquê do estudo da APREN não ser público - retratado

Tenho que me retratar da consideração que fiz de o estudo da APREN não ser público.
De facto na altura da apresentação não o era, e um leitor disse-me que o pretenderiam apresentar primeiro aos sócios.
Passaram meses, fiz uma busca na net e não vi referência nenhuma, e dei-o por não publicado.
Afinal há minutos soube que havia quem o tivesse (versão impressa), e entretanto alguém me mandou o link para o texto. O documento tem um mês de existência impressa e dizem-me que foi colocado ontem no site onde está, mas de qualquer forma já é público, portanto. Vou lê-lo e depois darei conta das minhas impressões.
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Bem, agora depois da apresentação do programa do Governo para a energia feita ontem, já percebi porque nunca foi tornado público o tal estudo da APREN encomendado à Deloîtte e apresentado com grande pompa e circunstância no início de Dezembro de 2009 num hotel de Lisboa. Na verdade, nunca se tratou de um estudo de economia, mas de um simples exercício de propaganda em que tudo é inventado do princípio ao fim e por isso é impossível apresentar os seus fundamentos.
A apresentação feita há 4 meses e meio foi apenas o ensaio da que viria a ser feita ontem pelo próprio Governo.

terça-feira, março 16, 2010

E depois das barragens feitas, quantos empregos terão elas criado?

O plano de construção das novas barragens, que como já sobejamente demonstrei vão produzir energia nenhuma, tem sido invocado como um dos grandes projectos do Governo para a criação de "dezenas de milhar de empregos".
Também já expliquei que esses empregos são de construção civil, mal pagos e em alojamento em regiões deslocadas, e que duram só parte dos 4 anos de construção típicos de uma barragem.
Porém, a questão que quero colocar é a seguinte: depois de todas as barragens construídas, quantos empregos ao certo ficarão depois, em permanência? Será possível saber com rigor?
É. Esse número foi dito numa entrevista ao Expresso de um Administrador da EDP, publicada num suplemento especial dedicado a estas barragens, em Maio de 2009. O número é... 84 empregos!
Por outro lado, sabendo-se que só a amortização destas barragens vai requerer um aumento de uns 6% do preço da electricidade, fica a questão de quantos empregos serão destruídos pelo efeito desse encarecimento na economia e na retracção do poder de compra das famílias...

segunda-feira, março 15, 2010

Outro estudo alemão sobre o impacto económico das energias renováveis - e que é feito do estudo da Deloîtte e da APREN sobre Portugal?

Há cerca de um mês mencionei um estudo alemão, de 2006, do Bremer Energie Institut, que postulava que à criação temporária de emprego pela "economia das energias renováveis" se seguia a destruição duradoura de outro resultante do aumento do custo da energia para as actividades económicas e da decorrente retracção de poder de compra das famílias.
Dias antes dera conta de um trabalho similar publicado em 2009 pela Universidade Juan Carlos de Madrid que era ainda mais radical nas conclusões extraídas e que, em particular, relatava os devastadores efeitos que o rebentamento da "bolha solar" tivera em várias regiões espanholas.
Esta "bolha" resultou da especulação que se criou com a política de concessões de autorizações para "pontos de acesso à rede", em que se procuraram essas concessões não para realizar instalações solares, mas sim para as vender a quem desse mais!
A mesma coisa que se passa por cá com a microgeração e o acesso ao portal das respectivas concessões que, como todos os interessados sabem, foi permanentemente bloqueado por uns "espertinhos"...
Cruzando as fontes do trabalho espanhol com outras que eu conhecia, concluí que a alegação segundo a qual por cada emprego temporário criado pelas renováveis eram destruídos 2.2 não era numericamente rigorosa: por cada emprego temporário será destruído um duradouro, apenas - ou seja, ao fim de uns anos vai-se o emprego temporário e ficam dois desempregados, o do emprego temporário e mais um resultante do aumento do preço da energia. Os números do trabalho espanhol poderão não ser exactos, mas a ideia geral é.
Dias depois do meu post o Expresso noticiou este estudo, e descobri recentemente que este trabalho espanhol já fora publicamente referido por Bjorn Lomborg, o "ambientalista céptico" dinamarquês.

Ora há alguns meses foi publicado um novo estudo alemão sobre a economia das renováveis e o seu impacto na Alemanha, do Instituto para a Investigação Económica do Reno-Westefália, cujo texto pode ser encontrado aqui. O novo trabalho é deveras exaustivo e, além de listar detalhadamente os estudos anteriorermente feitos sobre a questão do emprego na Alemanha associado às renováveis, invocando também a incapacidade recente da indústria alemã conseguir competir no seu próprio mercado com os produtos chineses, faz uma crítica exaustiva ao princípio de subsidiação directa aos produtores de renováveis,  particularmente aos da energia solar, implementado pela Alemanha desde 1991 (e também por cá), de que realço os seguintes pontos:
  • A subsidiação directa às várias formas de energia renovável desincentiva a inovação, ao garantir um prémio à tecnologia existente. Isto é particularmente grave no que respeita à energia solar, porquanto estimula a manutenção da tremendamente cara tecnologia de silício e desencoraja a Investigação nas tecnologias de películas finas;
  • Desincentiva também a competição entre diferentes tecnologias renováveis, ao estabelecer um valor fixo para cada uma; este desincentivo à procura de evolução tecnológica é reconhecido pela Agência Internacional de Energia, que desencoraja o método da subsidiação directa e específica às renováveis
  • Desencoraja e distorce o mercado de emissões de carbono. Sendo o preço máximo já atingido da tonelada de CO2 neste mercado de 30 €, como este preço é muito inferior ao do custo das renováveis necessário para evitar a emissão de tal tonelada, o resultado é que as utilities que têm preferido pagar por tais emissões acabam por conseguir os mesmos resultados face à legislação europeia mas a muito menores custos. Daqui resultará uma redução da ordem dos 20% dos lucros das utilities alemãs, e uma subida correspondente dos da ENEL italiana, por exemplo.
Entretanto, há 4 meses e meio os jornais noticiaram profusamente os resultados de um estudo feito pela Deloîtte sob encomenda da APREN contendo promessas estonteantes de enormes progressos para a economia portuguesa da actual política energética pró-renovável, e que mereceu honras de solene apresentação num Hotel de Lisboa (hotel pago por quem?). Na altura dei conta que o tal estudo não estava acessível ao Público de modo a se poder escrutinar os raciocínios subjacentes, e fiz um desafio à APREN para que divulgasse esse estudo.
Ainda estamos todos à espera que a APREN divulgue o tal estudo...

domingo, março 14, 2010

E de como a "exportação da tecnologia nacional em energias renováveis" virá a aumentar a nossa dívida, em vez de a reduzir!

A propósito do post que escrevi aqui há dias sobre a "venda" de energias renováveis que o nosso 1º Ministro foi promover a Moçambique, recebi um interessantíssimo esclarecimento de alguém que conhece bem estas coisas e que tem uma competência a toda a prova, e que passo a partilhar convosco.

A propósito do seu post sobre Moçambique, deixe que lhe conte a fase 1 destes negócios de renováveis em África, para ver que nada daquilo é inocente e inconsequente. Este é o continuar de uma estratégia de financiamento às empresas do regime, de uma forma muito pouco ou nada transparente.
Vamos então falar de um recente sucesso económico, também contado pelo Público: “Martifer instala dois parques solares fotovoltaicos em Cabo Verde” informa este jornal que “De acordo com um comunicado da empresa, a Martifer Solar, empresa do Grupo Martifer, SGPS, assinou um contrato com o Ministério da Economia, Crescimento e Competitividade (MECC) de Cabo Verde para o fornecimento e instalação “chave-na-mão” de dois parques solares fotovoltaicos nas ilhas do Sal e Santiago, com um valor de cerca de 30 milhões de euros.”

Fantástico, não é? Estamos a exportar para África, a vender ao estrangeiro, e por essa via a aumentar o nosso PIB.

Vamos então recuar até Março do ano passado, quando o nosso Primeiro, em visita a Cabo Verde anunciou a abertura de uma linha de crédito de 100 milhões de Euros para apoiar projectos cabo-verdianos nas energias renovaveis (para Moçambique parece ter sido aproximadamente o dobro do valor, vamos ver se a CGD coloca cá fora dados sobre a linha de crédito). Mas, sendo os beneficiários finais entidades Cabo-verdianas que irão contratar fornecedores portugueses, e concretizarão os projectos a financiar ao abrigo da linha, mas com garantia do Estado Português. Vamos agora juntar isto ao facto de o sector eléctrico em Cabo Verde ser ainda muito débil e haver muita falta de água. Face a isto, e para começar, o que é que ocorreu de melhor em algumas doutas cabeças? Investir 30 milhões da linha de crédito, aberta pelo Governo português, em duas centrais de energia solar fotovoltaica.

Quem vai pagar isto?
Após o fim do período de carência do empréstimo, muito generoso diga-se de passagem (10 anos+5 anos), já será visível o buraco financeiro do projecto com a impossibilidade de recuperar os custos de investimento e pagar os elevados custos de manutenção (na hipótese de este ainda estar a funcionar), logo o Governo local vai achar que tem um justificado capital de queixa para pedir perdão da dívida, ou no limite uma renegociação, chutando-a para as calendas. Assim, já ficou bom de ver quem paga mais este sucesso económico da indústria das energias renováveis: os mesmos de sempre – o avalista, ou seja os contribuintes portugueses! Mas também é verdade que isto não é nada que os governantes portugueses não estejam à espera.

Mas não havia aqui uma boa notícia? Claro que há – para a Martifer, que já ganhou esta adjudicação no valor 30 milhões, sem que o Governo português tenha, no mínimo, sujeitado a utilização da linha de crédito à abertura de um concurso público para empresas nacionais, ao contrário do que fazem os outros países financiadores, por norma. E este é que é o facto grave, desta política de apoio à economia.

Assim se conta mais um enorme sucesso português ligado às energias renováveis, e a subida de mais um degrau da dívida pública de Portugal. Outros virão, e como já se viu Moçambique será o próximo (mas com adjudicação directa, que lá fora o Tribunal de Contas não se mete).

quarta-feira, março 10, 2010

Uma história que é um aviso para quem a escute

Nem todos saberão que a Espanha, em 2008, se tornou o 2º país do Mundo em energia solar, ou mais exactamente, em potência instalada fotovoltaica. 2500 MW, que produzem em média uns 500. O 1º país do Mundo, para quem não saiba, é a Alemanha.
Isto aconteceu porque o Governo de Zapatero decidiu subsidiar essa energia com a extraordinário valor de 58 ç/kWh, umas 15 vezes o que custa a produção do mesmo kWh pelas 9 nucleares espanholas em operação, e na esperança que isso fomentasse o desenvolvimento e maturação da indústria espanhola de equipamentos fotovoltaicos.
Porém, o Governo espanhol não previu a velocidade da corrida ao solar que a sua generosidade iria desencadear, e de repente viu-se a braços com um pesadíssimo encargo, pouca energia produzida, instalações que se avariam e dão repetidos problemas, e sobretudo uma invasão de equipamentos chineses, deixando a indústria espanhola encurralada numa competição que não pode vencer. E baixou o seu prémio, que está agora já só (!!!) em 39 ç/kWh, ainda umas 10 vezes o custo de produção das nucleares.
Resultado: a debandada geral!

O New York Times de ontem conta a história de Puertollano, uma cidadesinha que outrora vivia das minas de carvão e que julgou ver no advento do solar e na procura de terrenos para a sua montagem na região um renascimento económico capaz de reduzir a sua taxa de desemprego de 20%. E conseguiu reduzi-la para metade, de facto... por dois anos.
Agora, com a debandada dos "investidores" (que entretanto tinham criado uma "bolsa" de autorizações para instalação de solares que criou uma verdadeira bolha especulativa que rebentou depressa), Puertollano voltou á taxa de desemprego anterior.
O que ficou foi o encargo para Espanha desses 500 MW médios a serem pagos a 15 vezes o custo de produção normal...
Na Alemanha, que tinha em 2007 um subsídio ligeiramente mais baixo que o espanhol, de 53 ç/kWh, este valor desceu para 43 ç/kWh em 2009 e ocorreu a mesma descida abrupta, ali estando claramente assumido que por causa da constatação pelo Governo alemão de que estava a subsidiar a indústria chinesa. E também houve despedimentos maciços na indústria solar, como contei aqui há uns meses.

sábado, março 06, 2010

Vender energias renováveis a Moçambique

Na sua recente visita à ex-colónia portuguesa de Moçambique, um país com 9 vezes a dimensão de Portugal e quase 2 vezes a nossa população, mas com um PIB igual a 10% do nosso e do qual a comunidade internacional subsidia a fundo perdido metade do Orçamento Geral do Estado, foi anunciado que o nosso Primeiro-Ministro ia vender energias renováveis, dada a alegada posição de vanguarda portuguesa nas respectivas tecnologias.

Moçambique tem um povo amável e pacífico, contrastante com o de outros países de África, mas onde as novas gerações já raramente falam português. Quase tudo o que lá funciona é obra de estrangeiros, de ONG, de alguns portugueses e de muitos sul-africanos, razão porque o inglês é a língua estrangeira dominante e porque Moçambique decidiu há anos aderir à CommonWealth.
Uma coisa que não existe em Moçambique é uma rede eléctrica nacional.
Na realidade, Moçambique produz 30% da electricidade produzida em Portugal, bastante mais que o seu PIB relativo, mas a grande maioria é para exportação. Na realidade, quando no final dos anos 60 Portugal construiu a grande barragem de Cabora Bassa, ainda hoje uma das maiores do Mundo, o seu intuito foi desde o início a exportação de energia para a África do Sul, ideia que levou décadas a pôr-se em prática devido às longas guerras que o impediram por muitos anos.
Moçambique produz 30% da electricidade gerada em Portugal mas só consome 3%. O resto é exportado para a África do Sul.
Maputo, por exemplo, é abastecida de energia por linhas de Alta Tensão que vêm da África do Sul, acompanhando uma estrada por onde passa um fluxo constante de carrinhas e camionetas carregadas de produtos alimentares e de quase tudo o resto que se consome na capital.
Mas, no resto do país, onde há electricidade predomina a "microgeração" dos grupos electrogéneos a gasóleo e, em algumas cidades de província, energia produzida por turbinas a gás montadas em contentores e importadas - como quase tudo - da África do Sul. De facto, Moçambique tem gás natural, e as reservas de gás natural de Moçambique estão já a escoar-se para aquele país vizinho.
As incipientes redes eléctricas das cidades de província são de estrutura tipicamente sul-africana, com um funcionamento intermitente e precário, de modo que fiquei com curiosidade em saber que energias renováveis iria Portugal vender a Moçambique.
Claro: a notícia foi dada no início da visita, com toda a probabilidade para consumo interno do pagode português de modo a alimentar a fantasia de que até exportamos tecnologias de energias renováveis, e depois nunca mais se falou do assunto.
Como não podia deixar de ser.
As energias renováveis exigem redes eléctricas potentes com grandes centrais convencionais que assegurem o controlo das redes, e muito dinheiro, porque são caras. Nunca será por aí que os países pobres de África irão, a menos que os dadores internacionais paguem tudo e fiquem lá a manter as instalações a funcionar, isto é, a menos que o colonialismo volte.

sexta-feira, março 05, 2010

Bruxelas financia a Super-Rede

Parece-me lógico que sendo a Super-Rede eléctrica uma construção europeia, seja Bruxelas que a financie.
E Bruxelas vai financiar alguma coisa. 50 milhões de € para ajudar a ligação da nossa rede à de Espanha, dizem as notícias. E qual a parcela que vai sair do bolso dos consumidores de electricidade portugueses para pagar essas linhas de interligação?

sexta-feira, fevereiro 26, 2010

Posição sobre a política energética nacional. IV - O contexto internacional e a preparação do futuro

Este é o 4º e último post da apresentação de uma posição sobre a política energética nacional. O post anterior pode ser encontrado aqui.

13. Na última década, Portugal só ultrapassou ligeiramente as metas de produção de energias renováveis negociadas nos anos 90 com Bruxelas para 2010, e aceitou metas para 2020 que não são realizáveis sem uma provável queda do PIB nacional.

A rota da União Europeia para a promoção das energias renováveis iniciou-se com a Cimeira do Rio de Janeiro em 1992, o protocolo de Quioto em 1997 e o “white paper” sobre a prospectiva das renováveis na Europa no mesmo ano e, finalmente, tomou forma de Directiva em 2001 (2001/77/EC), a qual estabeleceu a meta indicativa, para o ano corrente de 2010, da produção de 21% da electricidade da União com origem renovável.

Na data em que a Directiva foi publicada, Portugal já satisfazia o objectivo nela definido, graças à existência de recursos hidroeléctricos explorados décadas atrás. Na realidade, dos 15 membros que a Comunidade tinha então, ao longo de toda a década de 90 Portugal tivera a 4ª posição em maior incorporação de energia de fontes renováveis, só superado pela Suécia, pela Áustria e pela Finlândia mas, no que respeitava estritamente à electricidade, até superava esta. Com efeito, em 1997 Portugal teve 38.5% da sua electricidade proveniente de fontes renováveis, e a meta indicativa que lhe foi estabelecida foi a da manutenção desse valor (39%), o que foi bem negociado pois teve em conta as nossas necessidades de desenvolvimento. Para comparação, qualquer dos outros 3 Estados que superavam Portugal comprometeu-se a um crescimento significativo, e o nosso país foi mesmo o único dos 15 a que foi concedida a manutenção no valor que já tinha.

Em 2009, porém, Portugal atingiu cerca de 46% da sua electricidade originada em fontes renováveis mas usando os critérios contabilísticos da UE, que tomaram como base a excepcionalmente alta produção hidroeléctrica de 1997, e que fora 28% acima da média anual. Com isto, Portugal ultrapassou largamente a meta que lhe fora definida o que, aliás, já vinha acontecendo desde 2006, devido à tremenda penetração da energia eólica. A custos já analisados e de pagamento diferido para o futuro e sem conseguir acompanhar o aumento de consumo verificado. Entretanto, em 2007 um relatório intercalar da Comissão Europeia notava que na melhor hipótese a União no seu conjunto atingiria em 2010 apenas 19% de electricidade de origem renovável, em vez dos 21% planeados…

Em 2009 a União estabeleceu novas metas para 2020, na Directiva 2009/28/EC, mas desta vez já não quanto à electricidade. Desta vez as metas são de 20% de origem renovável para todo o consumo energético – incluindo transportes e indústria –, assim como de 10% de uso de biocombustíveis nos transportes, e 20% de redução nas emissões de CO2.

Para atingir a nova meta de 20% de renováveis na produção total de energia há estimativas segundo as quais a proporção de origens renováveis na electricidade terá de ser de 35% mas, ao contrário do que acontecera dez anos antes, desta vez Portugal não negociou um esforço moderado. Desta vez Portugal obteve um aumento dos 20,5% de 2010 (valor estimado para a origem renovável de toda a energia consumida no país), para 31%, um acréscimo nominal relativo de 50%! Uma parcela de 10,5% na totalidade da energia consumida, similar à preconizada para os campeões suecos, austríacos e finlandeses, e consideravelmente superior às metas estabelecidas para países com um grau de desenvolvimento semelhante ao nosso, como a República Checa, a Polónia ou a Roménia! Não tendo havido, no entanto, grande condescendência com qualquer dos Estados, nesta nova Directiva europeia.

Ora para alcançar a referida meta de 31% de origem renovável para todo o seu consumo energético, e extrapolando a proporção de 35% de electricidade para os 20% de toda a energia, Portugal terá de alcançar 55% de electricidade de origem renovável, valor considerado nas projecções do único estudo conhecido do Ministério da Economia que terá apoiado as negociações portuguesas. Este estudo supôs a instalação dos 5700 MW de potência eólica planeados pelo Governo que, como vimos, não é tecnicamente realizável, uma enorme proporção de centrais a gás natural, e a substituição imperiosa da poluente (mas de energia barata) central a carvão de Sines por uma nova com captura e sequestro do CO2 – tecnologia que seguramente não estará em comercialização até 2020!

Porém, a agravar dramaticamente a perspectiva nacional, o critério de ponderação do contributo hidroeléctrico para as energias renováveis foi alterado com a Directiva europeia de 2009, conduzindo a uma redução da contabilização portuguesa, dos alegados 46% em 2009 para 39.7%. Com efeito, enquanto na Directiva de 2001 fora escolhido um ano de referência para a referida contabilização particularmente favorável para Portugal (1997), agora é a média dos últimos 15 anos anos que terá de ser considerada o que, sendo tecnicamente mais correcto, dada a variabilidade anual da produção hidroeléctrica, piora dramaticamente a situação nacional. A nova Directiva não permite, também, a contabilização da energia hidroeléctrica proveniente da bombagem de energia de outras fontes.
Nesta situação, congelando o consumo actual de energia eléctrica, as renováveis actualmente existentes satisfarão 42.5% dele, os planeados 2200 MW de eólicas e hidroeléctricas associadas a construir adicionarão mais 9.5%, faltando ainda 3%! Ora apesar de todo o tremendo esforço feito no investimento em renováveis nos últimos anos, se for aplicado retroactivamente o novo e tecnicamente correcto critério contabilístico, verifica-se que Portugal afinal pouco melhorou a proporção de energia renovável na produção de electricidade relativamente a 1997, pouco excedendo a benevolente meta definida uma década atrás! O que nos dá uma primeira ideia da impraticabilidade das metas assumidas para 2020.

Nestas condições, só haverá dois modos de alcançar aquela meta: ou se realizam investimentos em energias renováveis ainda mais dispendiosas que as eólicas e as hidroeléctricas de bombagem, a Super-Rede europeia é construída esta década, para o que a REN se tem esforçado multiplicando as ligações em Alta Tensão a Espanha, mas que depende desta reforçar as suas ligações a França, enfrentando ambos os países então a concorrência da barata electricidade francesa de origem nuclear, e simultaneamente há outras medidas com desenvolvimento radical, como a penetração de biocombustíveis nos transportes, o incremento do aproveitamento da biomassa, do biogás, de medidas de climatização passivas nos edifícios; ou se verifica uma redução dos consumos nacionais associada à queda do PIB e acompanhada de um aumento da emigração (como se verificou em alguns países do Leste europeu). Ou, mais provavelmente, as duas possibilidades concorrem para a meta prevista: investimentos brutais e redução do PIB nacional.

De uma forma ou de outra, os 31% de consumo energético total de origem renovável não acontecerão apenas concessionando eólicas e solares e desligando a central de Sines, e terão sempre um custo económico extraordinário. Urge pois um plano económico bem estruturado e não baseado apenas na aceitação dogmática das metas europeias, mas considerando também os interesses nacionais de desenvolvimento e as restrições técnicas do sistema electroprodutor, e maximizando a incorporação sustentável de valor nacional.

 
14. Os interesses nacionais devem ter prioridade sobre o cumprimento dogmático das Directivas energéticas europeias, sobretudo quando estas foram desastrosamente negociadas.

Nas negociações mundiais de Copenhaga ocorridas no fim de 2009, ficou clara a existência de um consenso praticamente universal relativamente à necessidade de redução das emissões de CO2 e outros gases considerados causadores de um Aquecimento Global. Porém, ficou também claro que embora todos os países relevantes para essas emissões tenham aceitado o estabelecimento de alguma meta quantitativa para a redução das emissões de CO2, seja em termos absolutos, seja em termos relativos ao peso futuro esperado das suas economias (intensidades energéticas), a União Europeia ficou isolada nas suas propostas de metas quantificadas para as energias renováveis.

Neste quadro tem particular importância a posição da actual Administração dos EUA, comum à da restante comunidade não-europeia, de não aceitar limitações à panóplia de opções tecnológicas disponíveis para a redução das referidas emissões, dado existirem estudos especializadas e acreditados que demonstram que o recurso a uma panóplia inclusiva de todas as tecnologias permitirá chegar a preços futuros da energia substancialmente inferiores à opção europeia estritamente pro-renovável, assim como à continuação da disponibilidade de energia que caracterizou a sociedade industrial. Esta carteira completa de opções tecnológicas inclui, além das energias renováveis, o carvão com captura e sequestro de carbono, dado que embora fóssil o carvão existe em enorme abundância no planeta e em subsolos de países estáveis e amigáveis, e a energia nuclear, cuja segurança evoluiu muito nos últimos 30 anos e que se encaminha para novos patamares tecnológicos de elevada eficiência e sustentabilidade.

A posição isolada em que a União Europeia ficou depois de Copenhaga é passível de várias evoluções, da persistência numa posição ideológica fundamentalista que tenderá a fechar a Europa numa barricada comercial, precursora de uma inevitável decadência e/ou de sobressaltos de intolerância, até, pelo contrário, ao alinhamento progressivo com as posições da restante comunidade internacional. A fortificação de fronteiras comerciais é mais que provável face à concorrência imbatível da China na própria indústria de equipamentos de energias renováveis, se a Europa se limitar a esta opção.

Estas considerações levam a recomendar um não-alinhamento cego e muito menos demasiado papista com posições europeias que poderão vir a moderar-se em breve ou, pelo contrário, a evoluir para radicalismos com um alto custo para Portugal e contrários aos seus interesses de nação quase milenar.

15. Portugal precisa de energia eléctrica barata de fontes controláveis, sem aumento de emissões de CO2, sem políticas perigosas para as liberdades cívicas e com a máxima criação de riqueza nacional sustentável. Em particular, a opção nuclear tem de ser cuidadosa e antecipadamente preparada.

De tudo o que foi analisado nos pontos anteriores, resulta evidente a necessidade de Portugal considerar seriamente a opção nuclear como estratégia energética e económica, dada a sua controlabilidade, não emissão de CO2 e baixo custo da energia gerada.
Não se trata, porém e no imediato, de considerar a compra de uma central nuclear, com a mesma irresponsabilidade e ausência de planeamento com que foi feita a importação de equipamentos de energias renováveis, mas sim e apenas de iniciar a preparação de uma possível futura opção nesse sentido.

Dado o conjunto de aspectos a considerar, é necessária uma estrutura organizativa que coordene esses aspectos. E, dados os longos tempos a envolver nas acções e eventuais investimentos associadas, a actividade dessa estrutura não deverá obedecer aos horizontes temporais de calendários eleitorais. Por esta razão, é necessário que a sua criação resulte de um pacto de regime que garanta uma maioria de apoio parlamentar permanente, e é também imperioso que a sua chefia tenha uma independência imaculada de outros interesses que não os nacionais, sendo por isso recomendável que a sua nomeação requeira a anuência da Presidência da República, podendo a atribuição de funções militares de prevenção e segurança facilitar essa tutela Presidencial. Vale a pena recordar, aliás, que a Junta de Energia Nuclear criada há mais de 50 anos dependia directamente de Salazar, e não do Governo de ocasião. Aliás, o aqui proposto é a refundação de uma Junta como essa, para iniciar a preparação de uma possível opção nuclear!

Esta Nova Junta da Energia Nuclear deverá dispor de uma Comissão Executiva com pelo menos 3 membros, e constituir um Conselho Consultivo onde estejam representados reconhecidos peritos das áreas relevantes e com um leque de sensibilidades ideológicas diversificado, que garanta o escrutínio e a transparência de todas as actividades desenvolvidas. As actividades prioritárias da Comissão Executiva, a terminar no prazo de um ano, deverão incluir:

a) A recolha e análise de todos os estudos parcelares realizados no passado sobre a opção nuclear para Portugal;

b) A constituição de uma equipa interdisciplinar de técnicos de primeira qualidade, cobrindo nomeadamente os aspectos das engenharias civil, mecânica, de controlo e automação, a Física nuclear tecnológica, a Geologia, as Finanças e as Seguranças civil e militar;

c) A identificação das normas internacionais, das necessidades de recursos técnicos especializados futuros e dos projectos em curso ou lançamento noutros países.

Numa segunda etapa, esta Nova Junta deverá preparar, num prazo adicional de 4 a 5 anos, já com a equipa técnica de alta qualidade criada na 1ª etapa e uma definição de objectivos mais precisa:

1) O estudo das opções tecnológicas e comerciais disponíveis internacionalmente;

2) O estudos dos possíveis modelos de financiamento;

3) As normas técnicas nacionais, em harmonia com as internacionais existentes e em particular as europeias, detalhadas e precisas, a aplicar nos projectos de centrais;

4) A formação dos recursos humanos necessários ao acompanhamento e fiscalização de obras;

5) A pré-selecção de locais apropriados;

6) A definição das actividades económicas sustentáveis para as quais se possa associar a máxima incorporação nacional, da preparação do combustível ao tratamento de resíduos, passando pelo aproveitamento dos jazigos nacionais de Urânio;

7) As colaborações internacionais desejáveis, técnicas, económicas e de segurança;

8) A preparação de um Caderno de Encargos rigoroso para uma Central Nuclear.

9) O debate público aberto e esclarecedor das opções em apreço.

Finda esta preparação, que se iniciada já poderia estar concluída em 2015 ou 2016, o país estaria em condições de decidir se avançaria ou não para a construção de uma Central nuclear. Até lá muita coisa evoluirá no domínio das opções internacionais de energia nuclear, dando tempo a que se venha a aproveitar a experiência alheia. Se por volta de 2015 ou 2016 se tiver efectivamente verificado o renascimento do Nuclear, Portugal estará em condições de fazer a opção correspondente, podendo vir a ter a sua primeira central a tempo de substituir a de carvão em Sines, dentro de uma década. Se não for essa a evolução que ocorrer, também não terá sido grande a perda incorrida nesta preparação - afinal o país custeou por mais de 50 anos uma Junta de Energia Nuclear de que não retirou qualquer préstimo!
A ausência da preparação desta opção é que poderá ser trágica!

O documento completo correspondente a estes 4 posts pode ser acedido aqui.

quinta-feira, fevereiro 25, 2010

Posição sobre a política energética nacional. III - Realidades e mistificações económicas

Este é o 3º post, de 4 previstos, de apresentação de uma posição sobre a política energética nacional em curso. O post anterior pode ser acedido aqui.

 10. Está em curso um movimento europeu para a realização não de micro-redes eléctricas, mas sim de uma Super-Rede intercontinental, que poderá afectar seriamente Portugal mas relativamente à qual o Governo é omisso.

Muito recentemente, e após a evidência comprovada da impossibilidade de gestão do continuado crescimento da energia eólica na Europa nas condições de redes nacionais existentes, sobretudo com as novas metas definidas para 2020, tem ganho corpo na UE a ideia, oriunda da Alemanha, de que a incontrolável intermitência inerente às energias eólica e solar, com a impossibilidade da sua regularização por armazenamento, pode ser mitigada explorando a variabilidade das condições meteorológicas em grandes extensões geográficas.
Concretamente, se se explorar a produção de energia eólica onde ela é mais abundante, nas costas do Mar do Norte, do Reino Unido e em toda a restante costa atlântica (incluindo Marrocos), assim como nas planícies ucranianas e russas, se se instalarem grandes centrais solares onde o Sol é mais intenso, no Sahara norte-africano, se se puder aproveitar um gigantesco recurso hidroeléctrico existente em África (“Grande Inga”, na foz do Zaire), adicionando ainda algumas barragens para armazenamento de energia na Europa (sobretudo na Noruega e Suécia), poder-se-á lograr uma filtragem da intermitência das produções locais de energia renovável, aproveitando-a onde haja melhores recursos.
Esta ideia requer a interligação de todos esses meios na Europa e continentes próximos, por uma Super-Rede eléctrica de cabos submarinos e linhas aéreas de grande extensão, a construir, usando novas tecnologias de controlo. Esta Super-Rede exigirá grandes meios informáticos e de telecomunicações para a sua gestão técnica em tempo real, dada a intermitência das energias renováveis e a grande escala e rapidez das transacções previstas, sendo, a realizar-se, a verdadeira materialização do conceito de “smart grid”.
Não as “smart grids” dos míticos “consumidores-produtores” domésticos, fantasiosamente promovidos a parceiros activos do sistema de energia eléctrico, mas a “smart grid” de um Império.

É de recordar que esta ideia não é nova e, tendo já sido academicamente enunciada há cerca de duas décadas, ela incluía também, então, a consideração de um grande potencial de energia renovável de marés que existe em algumas bacias da Rússia e que reaparece em alguns cenários futuristas deste novo projecto. A razão porque então a ideia não foi desenvolvida foi a evidente vulnerabilidade político-militar de uma tal rede eléctrica.

Esta ideia ressurge agora, pois, quando para as energias eólica e solar se planeia um enorme incremento em vários países europeus, por Directiva dos centros de poder da UE, e levanta duas questões de que o nosso Governo parece totalmente distraído: como serão repartidos os custos e os benefícios de um tal sistema intercontinental, e que poderes político-militares serão usados para garantir a sua segurança.

Os riscos desta ideia para um país periférico como Portugal são claros, mas o nosso Governo e demais responsáveis pela política energética nacional parecem muito mais ocupados com fantasiosas (e politicamente perigosas) micro-redes do que com a real Super-Rede eléctrica cuja ideia ganha corpo nos centros de poder europeus, como a continuada publicidade a certas grandes centrais solares a construir no Sahara (projecto "DESERTEC"), e outros documentos recentemente publicados, atestam.

11. O gás natural é a solução imediata a que o Governo se vê obrigado a ceder, mas é uma solução dependente dos voláteis preços internacionais do mesmo, a sofrer um grande incremento de procura mundial. Além disso aumenta a emissão de CO2, anulando o esforço feito de investimento em renováveis.

Limitados que são os recursos de energia renovável tecnicamente exploráveis no país, e dada a sua incontrolável intermitência, o Governo tem concedido licenças de exploração para a construção de centrais termoeléctricas a gás natural de ciclo combinado, efectivamente capazes de colmatar as insuficiências técnicas das formas de produção renovável, graças à sua controlabilidade.

A tecnologia de ciclo combinado permite investimentos privados de relativamente reduzido montante, mas está dependente dos custos do gás natural no mercado regional que abastece a península ibérica.
Embora a rápida evolução das técnicas de liquefacção e armazenamento do gás tenha permitido diversificar a alguns países subsarianos os fornecedores do gás consumido em Portugal, embora o desenvolvimento recente de novas tecnologias de extracção em subsolos xistosos tenha aumentado as suas reservas mundiais úteis e se preveja a mundialização do seu mercado internacional, com a expansão das instalações de liquefacção, embora os preços internacionais do gás natural tenham sofrido uma forte quebra em 2009 devido à recessão internacional, o aumento explosivo do seu consumo augura uma grande volatilidade aos seus preços, a um prazo de dez anos. Além disso, o custo de produção de energia eléctrica por estas centrais é consideravelmente superior ao das a carvão e, embora em escala consideravelmente inferior ao emitido por estas, as suas emissões de CO2 são também incompatíveis com as reduções pretendidas pela comunidade internacional para 2050, pelo que não são uma solução sustentável a longo prazo.
E, sobretudo, o recurso imposto pelas circunstâncias técnicas a este tipo de centrais é a negação de todo o esforço feito em investimentos em energias renováveis, visando alegadamente combater a dependência de importações de combustíveis fósseis e a redução das emissões de CO2.

12. Juntamente com as fantasiosas ficções sobre os benefícios da política energética seguida para as produções de origem eólica e solar, têm sido completamente mistificados os impactos económicos e sociais desta política, nomeadamente quanto à criação de empregos e ao esforço necessário para o acesso às respectivas tecnologias.

A ignorância técnica relativamente às produções de energia renovável tem sido incentivada pela irresponsabilidade e pela atitude mistificadora com que estas novas tecnologias têm sido abordadas pelo Governo e outros responsáveis, e de que o caso da central das ondas e dos automóveis eléctricos atrás referidos são exemplares. Não admira, por isso, que comecem a verificar-se alguns casos de aparecimento mediático fugaz de aventureiros invocando a invenção desta ou daquela tecnologia de que no entanto não são reveladas quaisquer referências, com o pretexto de “segredo industrial”, como uma alegada nova turbina eólica a ser comercialmente explorada na Ucrânia e descoberta por um empresário beirão, ou um alegado novo tipo de gerador para a energia das ondas por parte de um grupo de jovens alunos de licenciatura de Lisboa onde só dois são estudantes de electrotecnia e nem muito brilhantes, mas que mereceram grande promoção mediática e no último caso até prémios pecuniários. É neste quadro mistificador que se tem propagandeado a criação de clusters nacionais para a produção de equipamentos de energias renováveis, nomeadamente eólicos e solares, anunciando-se dezenas de milhar de empregos e uma “aposta” nacional estratégica no sector.

Ora a verdade é que a tecnologia das turbinas eólicas leva já perto de um século de Investigação e Desenvolvimento internacional, tendo escapado inteiramente ao interesse português, com excepção de alguns empenhados académicos que, todavia, nunca foram envolvidos nos actuais projectos nacionais (como o não foram os especialistas de longa data na central de ondas do Pico). E, por outro lado, a respectiva tecnologia tem sido objecto de acesas guerras internacionais de patentes que proibiram o acesso ao mercado americano, até 2010, do industrial alemão escolhido pelo Governo português para parceiro no respectivo cluster.
Neste contexto, é evidente que a participação nacional numa indústria de turbinas eólicas não pode ser senão acessória, e como quase todos os países que pudessem ser mercados de exportação importantes para esta produção têm exigido a montagem no seu território dessas turbinas, não se vê como se possa sustentar a prazo a existência do referido cluster. Ora na verdade, embora o líder desse cluster prometa a criação de “dezenas de milhar de empregos”, os números disponíveis em instituições internacionais credíveis apontam para a criação, até ao presente, de menos de 3000 empregos, numa produção destinada a um mercado nacional que atingirá em breve a saturação.

Logro similar se tem verificado com a construção dos novos aproveitamentos hidroeléctricos, para os quais também se fala na criação de “dezenas de milhar de empregos”, escamoteando que se tratam na esmagadora maioria de empregos transitórios, na construção civil das barragens e apenas durante parte dos 4 anos que dura a de cada uma, em geral em condições de alojamento em locais isolados e com ordenados tão baixos que só tornam esses empregos atractivos a uma maioria de trabalhadores imigrantes. Em qualquer dos casos, não são empregos sustentáveis e muito menos de qualidade.

Pelo contrário, nas fileiras da biomassa, que tem um enorme peso na produção de energias renováveis no norte da Europa e que é diminuto em Portugal, nas dos biogás, nas dos Resíduos Sólidos e na dos biocombustíveis, sectores que requerem uma ocupação de mão-de-obra permanente em quantidade e que se podem articular sustentadamente com outras actividades, nomeadamente agrícolas e florestais, não tem havido “aposta”. Nem têm sido considerados os estudos que demonstram que aos empregos temporários criados na fase de investimento das instalações de energia renovável se segue a destruição de empregos duradouros resultante da subida decorrente dos custos da electricidade.

quarta-feira, fevereiro 24, 2010

Posição sobre a política energética nacional. II - Irresponsabilidade e delírios tecnológicos

Este é o 2º post, em 4 previstos, de apresentação de uma posição sobre a política energética nacional. O post anterior, o 1º, pode ser acedido aqui.

6. Os novos aproveitamentos eólicos e hidroeléctricos planeados, comportando um investimento estimável de 7900 milhões de € para a produção média de apenas 540 MW, terão de ser pagos pelos portugueses

Os 2200 MW a instalar em produção eólica nos anos próximos, conjugados com os aproveitamentos hidroeléctricos para bombagem que eles exigem, comportarão um investimento estimável de 2650 milhões de €, aos custos actuais das turbinas eólicas, valor a adicionar aos 4850 milhões de € das hidroeléctricas. A estes valores há que acrescentar ainda os investimentos a realizar pela REN em linhas de transporte de energia que permitam o trânsito da mesma entre as instalações eólicas e as barragens, num valor estimável de 500 milhões de €. No total, estes investimentos serão da ordem de 7900 milhões de €, 5% do PIB nacional.

Recentemente estes investimentos têm sido apresentados como sendo feitos por empresas privadas e não onerando, por isso, a dívida pública. E, na realidade, com a concessão de 8 dos novos aproveitamentos hidroeléctricos, o Estado obteve das empresas concessionadas 640 milhões de € à cabeça, sendo também verdade que parte do rendimento dos produtores eólicos reverte para autarquias na forma de rendas. Porém, se é verdade que os poderes públicos poderão assim beneficiar destes empreendimentos, não é menos verdade que o povo português e a sua economia os terão de pagar.

Ora sendo certo que de uma forma ou de outra os referidos valores virão a ter de ser repercutidos nos preços da electricidade, pode-se estimar o adicional aos preços actuais que esses encargos implicarão, e que sem qualquer dúvida os levarão para valores ainda mais acima dos da média europeia, antes de impostos. Na verdade, assumindo com a ERSE uma taxa de juro de 8.4% anuais, com amortizações a 20 anos, é fácil de ver que o custo destes 540 MW médios anuais de energia renovável agravarão só por si em 1.5 ç (10%) o preço médio do kWh pago pelo consumidor. E se, como até aqui, se verificar a subsidiação cruzada da indústria pelos consumidores domésticos, esse aumento será ainda bem maior para estes, elevando o preço da electricidade para valores ainda mais altos na EU-27.

Por outro lado, e embora feitos por empresas privadas, o investimento associado a estas opções é financiado por uma Banca que por sua vez se financia no mercado financeiro internacional, portanto com aumento do défice externo do país.

 
7. Não contente com a aventura do excesso de energia eólica a regularizar com uma dispendiosa bombagem hidroeléctrica de improvável eficácia, o Governo prepara novas aventuras na energia das ondas, no eólico offshore, no solar fotovoltaico e na microgeração, as quais não são técnica ou economicamente viáveis.

A avaria definitiva da central das ondas da Póvoa do Varzim, após apenas 2 meses de operação dos primeiros geradores e em que terão sido dissipados 9 milhões de €, dos quais 1,2 milhões do erário público, ilustra a irresponsabilidade da política energética do Governo, que ignorou toda a experiência internacional de Investigação e Desenvolvimento acumulada desde há mais de 60 anos nesta tecnologia, por países muito mais industrializados e tecnicamente desenvolvidos, como o Japão, assim como a própria experiência portuguesa de quase uma década na ilha do Pico, onde também se aprendeu mas há muito que a instalação avariou. Na verdade, apesar de todos os esforços, ainda não há solução técnica que permita sequer a esta forma de energia funcionar, quanto mais fazê-lo de modo economicamente rentável.

Por outro lado, se a energia eólica sediada em terra firme é dispendiosa e sofre dos problemas de intermitência identificados que recomendam a sua limitação a valores já ultrapassados em Portugal, como foi demonstrado, outras formas de energia renovável pelas quais o Governo tem mostrado grande entusiasmo sofrem de similares problemas de intermitência e são ainda mais dispendiosas.

A energia eólica instalada em plataformas oceânicas, ou offshore, pode beneficiar de ventos melhores que em terra firme, mas o custo de produção do seu kWh é pelo menos 30% superior ao das eólicas em terra, e só é tecnicamente viável em plataformas marítimas de baixa profundidade e moderadas condições de ondulação e correntes, como as verificadas em certas costas do Mar do Norte mas que se verificam em muito poucas zonas da costa portuguesa. Acresce a esta exigência técnica a falta de experiência mundial na exploração prolongada de instalações desse tipo, desconhecendo-se a sua fiabilidade a longo prazo e sendo apenas certo o alto custo da sua manutenção.

A energia fotovoltaica, pelo seu lado, não funciona à noite e o seu rendimento é também muito dependente das condições meteorológicas, custando presentemente a unidade de energia eléctrica obtida por essa via quase 3,5 vezes o que custa a da eólica, já depois de uma descida de preços internacional ocorrida em 2006, resultante de certos progressos nas técnicas de fabrico. No entanto, o preço do componente principal dos equipamentos de produção fotovoltaica não poderá descer de forma significativa sem uma radical alteração tecnológica. Essa alteração é possível que ocorra e venha a ser industrializável a prazo de uma década, com o aperfeiçoamento de painéis ditos de películas finas.
Porém, apesar de poderem vir a ter custos mais competitivos, as tecnologias em competição para os futuros painéis fotovoltaicos são muito variadas, podendo vir a exigir áreas de exposição solar muito superiores às dos painéis de silício hoje em dia promovidos para uso em telhados, ou formatos e produções combinadas de electricidade e de calor incompatíveis com as utilizações actuais. A conclusão retirável destes factos é que nenhuma entidade internacional credível espera o uso generalizado de instalações de energia solar antes de 10 a 20 anos, e que é muito incerta qual a tecnologia concreta com que tal virá a ocorrer.

Resulta do exposto que o propagandeado advento da microgeração e de um suposto novo paradigma de consumidor-produtor é uma pura ficção sem qualquer base técnica ou económica sustentável para a próxima década, já que sem produção de energia de origem solar não existe previsão de alguma forma de geração de energia eléctrica que seja sustentável e muito menos competitiva à escala das redes de Baixa Tensão – com a excepção, em casos muito pontuais, dos velhos grupos electrogéneos a gasóleo.

8. Procurando arvorar uma imagem de vanguardismo tecnológico, o Governo tem promovido a ideia de que os automóveis eléctricos estarão comercialmente disponíveis a curto prazo, suscitando infundadas expectativas na população

Um dos mitos energéticos que o Governo e outros responsáveis têm explorado é o da existência de uma relação entre independência das importações de petróleo e a aposta nas energias renováveis. Ora a geração de electricidade há muito que em Portugal e na Europa praticamente não usa petróleo nem nenhum dos seus derivados. Para que a electricidade gerada a partir de energias renováveis, ou outras, possa substituir importações de petróleo, será necessário que o sector que é o principal consumidor deste, os transportes, seja eléctrico em vez de baseado em motores de combustão.

Esta substituição de transportes consumindo derivados de petróleo por veículos eléctricos tem um suporte tecnológico testado e eficiente em ferrovias e em autocarros de tracção eléctrica (“trolley buses”). Em qualquer dos casos trata-se de veículos que não retiram a sua energia de baterias, as quais há mais de um século constituem o impedimento tecnológico à vulgarização de automóveis eléctricos.

Ora este impedimento persiste, apesar da grande evolução que as comunicações móveis e os computadores portáteis promoveram na tecnologia de baterias, levando ao advento das de iões de lítio. Com efeito, embora as baterias para automóveis baseadas em iões de lítio, com pesos de algumas centenas de kg, já permitam assegurar autonomias de 100 a 200 km, permanecem muito caras e sobretudo sofrem do mesmo problema conhecido nos computadores portáteis e telemóveis: têm um curto tempo de vida, de cerca de 2 anos. Este problema continua tecnologicamente por resolver o que, com as limitações de preço e autonomia, torna o automóvel eléctrico inviável no presente, desejando-se sinceramente que o apoio do Estado português à fábrica de baterias de Aveiro inaugurada em 2009 tenha melhor sorte que o da de células de combustível inaugurada em 2007, e que nunca funcionou.

Dados os grandes investimentos em curso internacionalmente na procura de novas tecnologias de baterias, é possível que a prazo de 5 a 10 anos se encontre uma solução técnica e economicamente satisfatória, mas nenhum organismo internacional responsável, como o Painel inter-governamental para as Alterações Climáticas (IPCC) da ONU, espera que os automóveis eléctricos tenham uma importância significativa no sector energético antes de 20 anos. Pelo que os muitos pontos de abastecimento de carros eléctricos e os descontos fiscais na compra dos mesmos que o Governo tem promovido não passam de pura mistificação, a aplicar a veículos que, na realidade, não existem. E, não existindo, persiste também a inexistência de qualquer relação entre electricidade e petróleo que não sejam os transportes colectivos electrificados que não têm, porém, merecido qualquer atenção séria. E por isso também não existe, nem existirá na próxima década, suporte para a fantasiosa ideia de usar as baterias dos automóveis eléctricos como meio de regularização da intermitência das energias renováveis, que continuará por isso sem solução técnica através de processos de armazenagem.

Sendo pois infundado e mistificador o entusiasmo induzido na população pelo possível desenvolvimento nacional próximo de automóveis eléctricos, tem em contrapartida sido descurada a previsão internacional de que a tecnologia para que efectivamente se prevê um possível desenvolvimento rápido é a dos automóveis híbridos, a que se espera que se sigam os híbridos carregáveis electricamente (“plug-in”). Porém, esta tecnologia ainda não é comercializada por marcas europeias, requerendo a adição articulada da motorização eléctrica a veículos com motores de combustão, pelo que uma indústria nacional neste domínio não é realisticamente acessível a Portugal.
Poderia, porém, ser viável uma incorporação nacional em indústrias internacionais de automóveis se fosse devidamente articulada, por exemplo, com o cluster da Auto-Europa, espaço técnico-económico que, devido à falta de atenção dos responsáveis portugueses, tem estado a ser ocupado por países como a República Checa.

9. Outra aposta mistificadora que tem sido promovida é a das redes eléctricas inteligentes (“smart grids”), com novos custos para o país, perigo de aplicações limitativas da liberdade, e descuido de responsabilidades técnicas urgentes.

Associado ao fantasioso paradigma de um futuro próximo de “consumidores-produtores” de energia, detentores de microgeração caseira e automóveis eléctricos com energia nas baterias que poderá ser revendida à rede eléctrica, e que como se mostrou é pura ficção (“wishful thinking”), têm o Governo e outros responsáveis promovido o desenvolvimento do que é conhecido como redes eléctricas inteligentes, ou “smart grids”. Esse desenvolvimento foi anunciado pelo Governo como indo ter a sua primeira experimentação em escala apreciável em 2010, em Évora, e terá custado já 12 milhões de €.

O anunciado propósito do projecto é a gestão inteligente de uma rede eléctrica repleta de microgeração nos consumidores mas, na prática, as suas componentes principais são novos contadores electrónicos de tarifa comutável personalizada e capazes de gerir (ligar e desligar) electrodomésticos, telecomunicantes com grandes centros de gestão da rede eléctrica. Adicionalmente e em caso de “apagões”, os referidos consumidores-produtores poderiam organizar-se em micro-redes autónomas, conforme foi referido em certos media quando dos estragos causados pelo temporal que recentemente assolou a região Oeste do país.
No cenário idílico com que esta tecnologia tem sido anunciada, ela permitiria ao consumidor facturar a suposta energia que tivesse para vender e “escolher” instantaneamente a tarifa da que pretendesse adquirir, mas o que tem sido escondido é porque interessaria a esse consumidor fazer tal escolha.
Ora o cenário completo que os grandes entusiastas desta tecnologia prevêem é, de facto, o dos preços da electricidade fornecida pela rede variarem com a maior ou menor disponibilidade da geração de energia renovável, ou seja, a dos preços da energia acompanharem a intermitência da produção renovável de forma a induzir a deslocação dos consumos das horas preferidas pelos consumidores para aquelas em que haja mais geração. O que, sendo uma forma imaginativa de resolver o problema da intermitência das fontes renováveis de energia, implicará evidentemente enormes restrições à liberdade da vida pessoal a que a sociedade industrial habituou os cidadãos, com a mudança aleatória em cada dia das horas, por exemplo, de lavagem de roupa e loiça, senão mesmo do uso de climatização e iluminação – excepto àqueles que puderem pagar mais, e é essa a “escolha de tarifa” que efectivamente será facultada.

Acresce a esta perda de liberdade a vigilância permanente a que os consumos dos cidadãos serão sujeitos, a partir de centros de gestão de rede que poderão vir a ter outros usos menos inocentes.
Obviamente, os exorbitantes custos de tal sistema serão suportados pelos próprios consumidores.

Entretanto e enquanto promove este tipo de projectos, o Governo ainda não publicou a regulamentação técnica que, em toda a União Europeia e com excepção da Espanha, tem vindo desde o início da década passada a ser estabelecida para as condições de ligação às redes da Produção em Regime Especial, desde as normas inibidoras da emissão de poluições electromagnéticas, até à exigência de meios de moderação da intermitência da produção renovável em situações de emergência da rede eléctrica.
Esta situação tem conduzido a estabilidade da rede eléctrica nacional no seu conjunto a um risco iminente de apagões em grande escala, dada a incapacidade das fontes de energia renovável contribuírem para essa estabilidade, à falta da referida regulamentação e da sua implementação.