No passado sábado, o Expresso conteve uma extensa publicação sobre os investimentos em curso em energias renováveis, e também algumas notícias sobre um alegado problema das centrais nucleares francesas que poderia acontecer cá, se também tivéssemos uma nuclear.
E, no contexto da notícia, o Expresso fez-se eco das posições anti-nuclearistas do "lobby eólico", nomeadamente de algumas afirmações pouco simpáticas da parte do Eng.º Aníbal Fernandes, líder do "consórcio ENERCON" (o coração do lobby eólico), fazendo também menção a interessantes posições do ex-Presidente da República Ramalho Eanes sobre o assunto.
Não vou, hoje, fazer uma análise técnica da questão, que carece de um post prévio detalhado sobre o nuclear que ainda não tive oportunidade de escrever.
O que me traz aqui hoje é um outro aspecto que foi aflorado numa troca de comentários de outro post e que merece agora algum desenvolvimento, a propósito destas notícias do Expresso.
Como já mostrei, quando o investimento planeado pelo Governo (com o aparente alheamento de toda a oposição, aliás), para a energia "verde" estiver terminado, todo esse investimento produzirá a mesma energia que produziria uma central nuclear típica.
Com efeito, teremos 5600 MW instalados de parques eólicos em terra, mais 4640 MW de hidroeléctricas reversíveis cuja capacidade de armazenamento permitirá regularizar a intermitência do vento, solução que produzirá a potência MÉDIA (a que é proporcional a energia) de 1500 MW, sensivelmente o mesmo que uma central nuclear de 1650 MW - ou 1/4 do consumo actual de energia eléctrica nacional.
A primeira questão que quero colocar é: quanto terá custado essa capacidade de produção energética?
A partir dos números que já apresentei noutros posts, pode-se estimar que o custo será de
13,5 biliões de €: 6,5 biliões das eólicas + 5 biliões das hídricas (dos quais 2 espanhóis), e cerca de +1 bilião no investimento da REN necessário para ligar tudo em rede. Importa ainda lembrar que as hídricas poderão operar por mais de 60 anos, mas que às eólicas se atribui um tempo de vida de 20. Para pôr tudo na mesma base de tempo, admitamos os 20 anos de duração das eólicas, e com este tempo só se terá de amortizar 1/3 do valor das hídricas (aproximadamente), o que conduz ao valor de
9,4 biliões de € para a referida energia (à potência média de 1500 MW durante 20 anos).
Quanto teria custado uma nuclear que produzisse a mesma energia? Com os dados mais recentes da Administração dos EUA que já citei noutro lado,
2,7 biliões de €, tendo em conta que uma nuclear dura cerca de 40 anos e que portanto em 20 anos só há que amortizar metade do custo inicial de 3,8 biliões, +30% a amealhar para o custo do desmantelamento final, +8% para o custo do urânio e tratamento dos resíduos nesses 20 anos.
Temos, pois, que o custo
extra da solução "renovável" adoptada será, para a energia dos primeiros 20 anos, de +
6,7 biliões de €, não muito menos que o custo estimado do TGV, ou
2700 € por família portuguesa.
Há muitos aspectos que se podem discutir sobre isto mas hoje, e por causa do Expresso de sábado, só pretendo falar de um:
Em 2001 a Direcção-Geral de Energia, organismo integrado no Ministério da Economia, encomendou ao Instituto Superior Técnico (IST) uma proposta de regulamentação técnica para as condições de ligação à rede das renováveis, que estavam prestes a iniciar a sua instalação em larga escala em Portugal. E o IST elaborou uma proposta legislativa, acompanhada de um guia técnico de aplicação, que se limitava a conter o que de melhor, na altura, se fazia nos outros países e que se adaptava ao nosso.
Esta proposta continha prescrições que a tecnologia da época permitia cumprir e regras de cálculo para definir em que pontos da rede já existente se poderiam vir a ligar os novos produtores, de modo a lograr-se sempre a solução mais económica para todos - mas especialmente para a rede pré-existente. Estas regras de cálculo, neutras por natureza, eram essencialmente copiadas das praticadas na Alemanha, um dos países com a regulamentação técnica mais completa nestas questões.
Em todos os países da União Europeia existem regulamentos destes, a que foi dada forma de lei. O mesmo sucede nos EUA, China, etc, sendo a Espanha de todos esses países o que tem a regulamentação mais pobre, mas mesmo em Espanha tal regulamentação foi publicada em "Decreto Real".
Em
2003 a União Europeia emanou uma Directiva, a 2003/54/EC, cujo artigo 5º manda explicitamente que "
Member States shall ensure that technical safety criteria are defined and that technical rules establishing the minimum technical design and operational requirements for the connection to the system of generating installations, ...are developed and made public. These technical rules ...shall be objective and non discriminatory".
Esta directiva é de 2003, e a referida proposta legislativa de regulamentação técnica elaborada no IST ficou pronta no final de 2002, mas... nunca foi publicada!
Portugal é, pois, o único país do 1º Mundo sem legislação nem regulamentação técnica sobre o assunto.
Não havendo legislação que estabeleça as normas técnicas de ligação à rede das renováveis, como são então essas coisas decididas?
Por Comissões nomeadas pelo Governo, a partir de 2003, no que respeita à selecção e aceitação dos concorrentes que são preferidos, e depois basicamente pelos critérios discricionários e casuísticos da REN, no que diz respeito a pormenores operacionais. As únicas regras que existem publicadas são comerciais.
Já por aqui postei como isto nos encaminha, do ponto de vista técnico, para prováveis "apagões", mas a dúvida que quero partilhar hoje é a seguinte: com tantos biliões de € envolvidos nisto, não seria do interesse do Governo que, cumprindo a Directiva Europeia, houvesse uma regulamentação técnica "
objectiva e não-discriminatória" (nas próprias palavras da UE) que não permitisse imaginar os fantásticos negócios privados que poderá proporcionar este
modus operandi que se adoptou?