Li há dias as declarações feitas em Londres pelo Ministro da Ciência e ocorreram-me de imediato umas memórias reflexivas dos primeiros contactos com colegas estrangeiros em conferências nos EUA, no início dos anos 90. Na altura conheci muitos doutorados sul-coreanos, chineses (da Formosa), indianos e até egípcios, e descobri uma diferença de atitude notória relativamente à maioria dos portugueses que conhecia, também doutorados nos EUA.
Em regra, havia nesses asiáticos uma enorme apetência pela criação de riqueza. Mais exactamente, a assimilação do espírito que mais tarde conheceria no Silicon Valley (onde tenho um amigo de infância, hoje americano, que veio a criar lá a sua empresa high-tech e pela mão de quem visitei muitas outras empresas lá, anos depois): o de que o sucesso científico – melhor ainda: o sucesso pessoal! - se mede pela capacidade de enriquecer com o que se sabe fazer. Daqui derivava a prática generalizada de quase todos terem feito um post-doc… não numa Universidade, mas sim numa empresa high-tech americana! Com vista a aprenderem a transformar conhecimento em negócio.
E, passo seguinte, abriam a sua própria empresa, as mais das vezes com sede nos EUA (por causa do seu mercado aberto e inovador mas também pela questão da imagem), tentando usar a mão-de-obra qualificada dos países de origem com que mantinham laços. Inúmeras empresas high-tech que conheci nos EUA eram feitas assim. Aliás, uma constatação imediata é a de quão desajustada é da realidade a ideia de promover a "marca Portugal"! Ninguém com sucesso real seguiu esse percurso; pelo contrário, procuravam era esconder o país de origem! E só depois, se o seu produto ganhava a confiança do mercado, é que começavam a revelar a sua natureza estrangeira, e só se isso tivesse algum interesse económico.
O terceiro passo era o regresso ao país de origem, se para tal houvesse acolhimento em empresas grandes com estratégia tecnológica lá. Os casos mais conhecidos são, claro, os da Coreia, China e Índia. E, desde há anos, o regresso da "diáspora chinesa" é bem conhecido: todos voltam, se no seu país houver oportunidades, mesmo que numa pequena fracção das existentes nos EUA.
Os nossos colegas lusitanos, porém, padeciam em regra de uma visão que se me afigurava aristocrática: o seu sonho era o regresso a um lugar na Administração pública onde a Corte lhes garantisse uma renda vitalícia – ou seja, o regresso a um pequeno lugar numa Universidade de um país com a população de Manhattan! Na altura ocorria-me que só queriam ser reis numa terra onde chegava ter um olho para tal. Alguns voltaram para depois se irem de novo embora de vez, e alguns desses reencontrei em Palo Alto. Mas mesmo nestes nenhum parecia ter a ambição de ser rico, no sentido em que, para os colegas americanos, isso é uma medida da própria ambição de sucesso profissional. De facto e com esse espírito, só conheço um caso cá na terra, de alguém que conheço há muitos anos: o do Epifânio e a sua Chipidea!
O espírito do Silicon Valley, de resto, é irreproduzível no contexto da nossa mentalidade, mesmo a mais avançada! Ali existe um espírito de aventura, de gosto pelo risco e pelos desafios, que é típico dos países de colonos. Entre uma autêntica Babilónia de origens, etnias e idiossincrasias individuais (o Vale lembra-me uma base lunar da espécie humana dos romances de ficção científica), o típico investigador do Vale não tem horários de trabalho (quantas vezes dorme num colchão ao lado da secretária!), gosta de desportos radicais (ciclismo de montanha, viaturas todo-o-terreno, canoísmo), preza a individualidade (é frequente ter o peluche de infância sobre a secretária) e sonha ser rico. Não rico de um modo qualquer, mas pelo valor do que descobrir ou inventar!
O espírito do investigador do Vale é o mesmo do do antigo garimpeiro da corrida ao ouro na Califórnia. Ele trabalha numa empresa geralmente pequena e considera a Microsoft o "Império do mal", e tenta desenvolver uma ideia nova que, se vingar, multiplicará por muito o valor da empresa na bolsa - e muitas vezes o seu sonho é a seguir vendê-la e gozar da riqueza assim conquistada. Em regra, porém, e tal como acontecia com os antigos garimpeiros, não descobre o filão da sua vida. Apenas umas pepitas e, esgotado o veio (ou o capital de risco da empresa), parte para outra. Essencial para tal é a rede de contactos que vai criando com os colegas que, com o tempo, se espalham por múltiplas empresas. É um ser que adora o alto risco. Alguns não praticam apenas desportos radicais: de um deles sei que pertencia às Forças especiais inglesas e que desaparecia por uns tempos sempre que começava uma guerra no Oriente!...
O capital de risco que financia estes empreendimentos também nada tem a ver com a Banca tradicional. É gerido por empresas específicas, financiadas de facto pela Banca mas geridas por gente que conhece bem o espírito do Vale e que o partilha, gente do mesmo género, e não gente da Banca!
Por tudo isto, é completamente espúrio pensar em replicar coisas como o Silicon Valley em Portugal. Olhemos antes para as experiências francesas ou alemãs...
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