Um comentador irado com o que tenho revelado sobre o facto do excesso de vento ser concomitante com a chuva intensa, o que inviabiliza a ideia da armazenagem hidroeléctrica, escreveu-me a dizer que só chove assim poucas semanas por ano.
Ora isso é verdade. Mas também o é que só faz vento de jeito poucas semanas por ano, e que isso coincide com as semanas de chuva intensa. Com uma correlação metereológica de 98%!
Os gráficos que junto são tirados de uma Agência europeia financiada pela própria UE.
O primeiro gráfico mostra a quantidade de horas que as eólicas funcionam a uma dada % da sua capacidade ao longo do ano, para uma utilização média da sua capacidade de 1/4 (25%), que é o que se verifica na Dinamarca e também em Portugal.
O segundo gráfico mostra como essa produção se distribui ao longo do ano (valores escandinavos). É evidente que a produção eólica é muito maior no Inverno que no Verão, e isso é um facto tão bem conhecido que os EUA, por exemplo, o têm estado a considerar nos estudos lá feitos, dado que a ponta de consumo deles (como a nossa) é no Verão, mas o da produção eólica é no Inverno - e eles não têm a alta % de produção hidroeléctica que nós temos, a qual tem um padrão sazonal de produção ainda mais acentuadamente invernal.
Em Portugal, por exemplo e segundo dados da REN, em 2008 o mês de menor produção eólica foi Setembro, e o da maior foi Dezembro (2,5 vezes a de Setembro), o que confirma a distribuição sazonal normal em todo o Mundo.
Vi há pouco um interessante debate na SIC, no programa "Expresso da Meia Noite". E nele, um Prof. da Universidade Católica que até desconheço, João Confraria, disse o que me parece óbvio: o Estado precisa de estruturas de apoio técnico para o estudo e planeamento destas coisas, que não existem. Aliás, também disse outra coisa antes que subscrevo: a própria menção ao "interesse nacional" parece que passou a ser pecado!...
11 comentários:
Eu não estou irado, e até aprecio os seus post's. Mas acho que está a tirar conclusões um pouco enviesadas servindo-se destas semanas de excesso de água e vento que não são padrão. E isso é sempre um pouco errado, talvez não devesse ter usado o termo "manipulador", peço desculpa.
Por exemplo hoje e amanhã à partida teremos vento razoável e muito pouca chuva.
Eu tal como você não me agrada nada a ideia de que se tem que pagar eólicas caras em momentos em que a energia não é necessária. Gostaria até que você cavasse um pouco mais fundo nesse assunto que nos interessa a todos nós. Não sei comno funcionam estas coisas do mercado, é se obrigado a comprar a produção ? Mas porquê e quem decide isso ? Quem decide que tem que ser a energia A ou B ? Como referi, aprecio bastante os seus post's, embora também me assiste o direito de achar que há algum exagero nalguns deles.
Quanto a picos de consumo, também não sei se serão mesmo no Verão, tenho ideia que há poucos dias atrás se bateu o recorde de consumo nacional, e o anterior tinha sido exactamente um ano antes, ou seja, picos de Inverno.
Em Portugal dá-se mesmo muito pouco valor "à técnica". Normalmente os técnicos são referidos com desprezo pelas elites mandantes tanto nas empresas como no Estado.
Conclusão ninguém quer ser "técnico". E mesmo aqueles que têm alguma ilusão inicial começam, passado pouco tempo a tirar, o MBA para ascender à aristocracia empresarial.
As elites do MBA também têm algum agrado pela situação já que acabam por não estar amarradas à realidade física. Isto dá uma muito maior margem de manobra para os jogos políticos. Que é como se processa a ascenção dentro das elites mandantes.
É bom ouvir a opinião de que o conhecimento físico tem valor sobretudo vindo de um professor da Universidade Católica. Dado que esta muito tem contribuído para o sistema actual.
Fica então uma sugestão, ou opinião, para quem esteja interessado. Não se pode esperar pagar pouco a um "técnico" e esperar ter bons resultados disso. É um problema de recursos humanos. Se uma pessoa é boa em Engenharia sem dúvida que tira um MBA "com uma perna às costas". Se queremos ter uma bons técnicos teremos de lhes pagar ordenados semelhantes aos dos gestores (pelo menos dos "middle-managers"). Os países mais desenvolvidos (ex.: EUA, Canadá, Alemanha, etc.) faziam assim.
Com os vários "posts" deste blog penso que ficou aparente o custo de decisões técnicas mal fundamentadas. Os meus parabéns ao autor.
Deixo uma citação para reflexão:
"A opinião de 10000 homens não tem valor se nenhum deles souber alguma coisa sobre o assunto."
Marcus Aurelius Antoninus Augustus (imperador romano - 161 DC a 180 DC)
Meu caro,
Acordemos então em ser ambos cordatos e discutamos a substância das coisas.
A intermitência do vento e a da àgua das barragens tem várias janelas temporais, assim como a dos consumos. Nestes, por exemplo, o pico anual, entendido como a hora do ano com máximo consumo, é no Inverno e deve-se ao frio. Mas o pico semanal é no Verão e deve-se ao ar condicionado quando faz muito calor. E há ainda a heterogeneidade regional.
Coisas similares acontecem com o vento. No gráfico que anexo, por exemplo, vê-se que a média de produção eólica nacional nos 4 meses de Dez-Mar. é DUPLA da dos 5 meses de Maio a Setembro. Claro que há dias muito variáveis, e até horas, em cada dia. No post sobre Hidroeléctricas que escrevi a 30 de Setembro mostro um gráfico de produção diária típico (da REN).
Ora a variabilidade também acontece com a produção hidroeléctrica, ainda de forma mais acentuada sazonalmente, embora muito menos de hora para hora.
A minha crítica é que isto não foi considerado. Nem em Portugal, nem em parte nenhuma do mundo, porque estamos a ser "pioneiros" nesta ideia. Se consultar os papers internacionais de I&D sobre o assunto, verá que quer quando a coisa é estudada do ponto de vista eólico, quer quando é estudada do ponto de vista hidroeléctrico, nunca se tem em conta esta correlação. Todos os estudos de armazenagem hídrica do excesso eólico pressupõem a disponibilidade de capacidade nas albufeiras, mas na verdade nunca ninguém fez um estudo integrado das duas coisas, para um ano, ou até uma década, de funciomanento - como o investimento anunciado de 5 biliões de € nas barragens reversíveis me parece que teria justificado.
Em termos simples e para resumir, diria: em boa parte do ano há capacidade nas albufeiras para armazenar produção eólica, mas nessa altura as eólicas também não precisam dessa capacidade, salvo raros momentos do dia. Quando houver muitas horas de produção eólica em pleno, por outro lado, a capacidade de armazenamento das albufeiras estará muito reduzida pela existência de chuvas fortes.
Um bom plano teria estudado isto antes de pensar em investir no Plano Hidroeléctrico uma quantia que supera a do aeroporto de Alcochete, ou antes de ter decidido que iríamos aproveitar todo o potencial eólico nacional (ainda vamos só em 2/3 do planeado). Acho eu.
Anónimo disse...
Mas acho que está a tirar conclusões um pouco enviesadas servindo-se destas semanas de excesso de água e vento que não são padrão.
Caro homónimo \"Anónimo\" parece-me que aqui o grande problema é que como ninguém fez um estudo sobre este fenómeno não há dados, pelo menos para Portugal, sobre a correlação entre a capacidade de armazenamento e a velocidade do vento. Dada a experiência empírica actual (temos muito vento mas as barragens estão cheias) acho que para o bem da discussão os apologistas do sistema \"eólicas + armazenamento\" deveriam apresentar provas concretas em vez de pensamentos utópicos. Por exemplo quando diz \"semanas de excesso de água e vento que não são padrão seria cientificamente correcto referir as fontes em que se suporta para proferir esta afirmação.
Analise por exemplo o início do mês de Novembro do ano passado, dias 2, 3, 4 e por aí fora. Mostram um cenário um pouco diferente.
Esses dias (2, 3, 4 de Novembro) têm de facto, um padrão diferente, mas que não contradiz o que tenho vindo a afirmar.
O que afirmo no post e, por exemplo, na resposta anterior a um comentário, respeita ao conjunto do ano. Claro que pontualmente podem encontrar-se situações favoráveis, mas só o conjunto permite avaliar a bondade dos investimentos feitos.
Nos dias que refere existiu, de facto, capacidade de armazenamento hídrico que foi bem gerido. Mas a potência eólica esteve longe do máximo - à volta de 1000 a 1500 MW, excepto dia 4 que andou pelos 2000. Pelo Natal chegaria aos 2500 MW prolongadamente, em linha com o padrão sazonal de produção, e aí verificaou-se o que se viu e que se agravará no futuro, à medida que crescer ainda mais a eólica instalada.
Mas sim, nesses dias de Novembro as albufeiras armazenaram alguma energia que foi exportada nas horas de ponta para Espanha. O que foi bom. Exportou-se a 5 ç/kWh, na hora de ponta de dia 4, em que houve mais produção eólica. Mas mesmo assim em prejuízo nacional, visto que se teve de pagar essa energia a 9 ç x 4/3 (pelas perdas na armazenagem)= 12 ç/kWh aos produtores eólicos...
Há excelentes estudos sobre vento e energia eólica em Portugal feitos por uma pessoa competentíssima: Prof. (Eng.) Gil Saraiva do LNEC, a quem aliás o poder político, que nos tem desgovernado a todos, pouco levou a sério. O Prof. Saraiva e o Prof. Falcão (já referido neste blog) são profissionais capazes de ombrear com o que de melhor se faz no mundo nas áreas em que são especialistas! Além disso tive - juntamente com os meus colegas - o privilégio de os ter como professores no Técnico, e como pedagogos eram casos absolutamente impares... Infelizmente não são tecnicos destes que se encontram na origem das decisões, ou melhor, dos desmandos energéticos que nos têm tocado em sortes.
Caro Pinto de Sá,
Tenho sido um leitor atento do seu blog, cujos posts me faz simpaticamente chegar por email.
Quero apenas deixar algumas notas:
1. Não tenho dados da meteorologia em Portugal, mas a correlação que menciona entre chuva e vento não é sinónimo de causalidade, nem de equivalência.
2. Os sistemas planeados de forma óptima implicam que em algumas horas haverá, dependendo do tipo de sistema, congestionamentos/filas/engarrafamentos/... Se assim não for, o dito sistema estará sobredimensionado.
Aquilo a que assistimos nesta questão eólica/hídrica diz-nos que, finalmente, estaremos perto da fronteira eficiente -- é um alerta ao planeamento! --, mas não implica que já estejamos numa zona de "mau planeamento".
3. Penso que o debate poderia ser mais centrado na existência ou não de capacidade de armazenagem, na possibilidade de criar essa capacidade, no seu dimensionamento segundo critérios técnicos (tendo em conta a intermitência e a correlação dos recursos), e nos custos.
4. Relativamente ao nuclear, sendo obviamente parte da solução e uma via a explorar, não será forçosamente "a" solução -- a espera pelos reactores IV-G evoca a espera pela fusão nuclear, que muitos diziam ser finalmente a solução para o problema da energia.
5. As movimentações globais a que assistimos levam-me a crer que a solução estará num cabaz de tecnologias, onde os pesos relativos dessas tecnologias se irão redefinindo de forma mais ou menos continuada. Cada país escolherá aquilo que mais lhe convém, de acordo com os seus recursos naturais, tecnológicos e de I&D.
Um abraço e parabéns pelo excelente trabalho crítico,
Pedro Flores Correia
Caro Pedro,
Estou inteiramente de acordo consigo!
A minha causa não é por esta ou aquela preferência energética.
É pela ENGENHARIA!
E sei perfeitamente que concordamos nisso!
E claro que se pode justificar, dado o caracter estocástico da chuva e do vento, apenas correlacionados estatisticamente, uma vez por outra exceder-se a capacidade de armazenamento. Claro que eu preferiria que em casos desses se adoptasse o que todos os regulamentos técnicos estrangeiros de países com forte penetração eólica prevêm: a redução da potência das eólicas com o consequente não-pagamento dessa energia desnecessária...
Um abraço,
Anónimo disse...
"Analise por exemplo o início do mês de Novembro do ano passado, dias 2, 3, 4 e por aí fora. Mostram um cenário um pouco diferente."
O problema não são os casos pontuais. A grande questão é a quantidade de dias em que existe vento e capacidade de armazenamento de energia eléctrica.
Toda a "teoria" vigente ignora este aspecto particular como já foi referido pelo autor.
Na ausência de um estudo credível fica a realidade empírica que no mês de Novembro/Dezembro de 2009 e Janeiro de 2010 o armazenamento não foi possível originando a perda de muitos milhões de euros para o povo português.
Acho bem que se faça. Mas acho ainda melhor que se pense antes de fazer.
Não resisto a deixar um antigo provérbio japonês:
"Pensar sem agir é um sonho. Agir sem pensar é um pesadelo.
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