segunda-feira, setembro 21, 2009

Clusters industrais nas renováveis: 23 mil empregos, ou a fraude portuguesa do século? Parte I - eólicas

Recentemente, o Ministro da Economia em acumulação de funções anunciou um plano de aposta nas energias renováveis que implicaria a criação de 23 mil empregos e 15,5 biliões de euros de investimento (uso o termo "bilião" de acordo com a prática americana a que os investigadores estão habituados, ou seja, mil milhões). O plano estará em execução há já 2 anos e é para continuar por mais 6 e pressupõe, naturalmente, que o PS ganhe as próximas eleições.

Para se ter uma noção da enormidade deste investimento, vale a pena recordar que a Caixa Geral de Depósitos teve de injectar no "caso BPN" 2,55 biliões e que este valor é mais de metade do capital da própria CGD, mas que o investimento anunciado é mais de 5 vezes o do BPN!

15,5 biliões de euros é o dobro do orçamento do TGV, é quanto custam 6 centrais nucleares ou 5 a carvão com captura do CO2 de 1200 MW cada uma, muito mais do que o consumo português é capaz de encaixar! (e a propósito, o buraco do caso BPN também dava para pagar uma boa central nuclear!...)

15,5 biliões de euros são 10% do PIB de Portugal, é o valor do (insustentável) défice externo português de um ano inteiro, que levará o país à falência em meia dúzia de anos, se continuar!

A enormidade do investimento anunciado e as implicações que ele terá para o futuro nacional tornam irrecusável o imperativo ético de trazer á discussão pública a bondade da sua decisão. Um contributo para essa discussão, até aqui ausente do palco mediático (salvo posições pontuais do antigo Ministro da Indústria dos Governos de Cavaco, o Mestre Eng.º Mira Amaral), é o que procurarei dar no que escrevo de seguida e que será um texto longo. Vou, por isso, escrevê-lo por partes, que irei postando à medida que o tempo mo permita.

Nesta parte I, o meu objectivo é mostrar como as tecnologias da energia eólica levam tempo a dominar, como é preciso ter estratégias nacionais para atingir esse domínio, que problemas técnicos e que valor acrescentado existe no fabrico de instalações eólicas e, finalmente, como o que Portugal tem feito na matéria peca por um terceiro-mundismo sem qualquer sustentabilidade.

  • Evolução histórica e contexto mundial da indústria de turbinas eólicas

As turbinas eólicas e as instalações de energia solar são produtos de alta tecnologia, não são calçado ou texteis! Se fossem tecnologias simples, há muito que teriam sido comercializadas!

A ideia de usar geradores eólicos para produzir energia eléctrica não é nova. De facto, os primeiros foram construídos mal a electricidade começou a ser comercializada, há 120 anos, e há 75 anos eram vulgares para alimentar quintas isoladas onde as redes eléctricas ainda não haviam chegado e quando os motores Diesel ainda eram caros. Na época usavam-se torres de aço articuladas, como nos postes das linhas de Muito Alta Tensão da REN, e chegaram a construir-se geradores a vento de 100 kw, na antiga URSS (1931), na Escócia (1954) e pela EDF francesa (anos 50)[à esquerda: aerogerador de 3 kw usado em quintas isoladas, nos anos 70, suficiente para alimentar uma habitação quando ainda não havia máquinas de lavar loiça nem ar condicionado].

Porém, a energia produzida por estas máquinas era muito pouca para o que custavam e, por isso, logo que as redes eléctricas chegaram aos locais isolados onde eram usadas, foram abandonadas. A energia proveniente das barragens e das centrais termoeléctricas era muito mais barata, e até a produzida por grupos Diesel, além destes terem uma instalação muito mais flexível!

Mas a Investigação & Desenvolvimento (I&D) de aerogeradores continuou, e não será de espantar que a Dinamarca, hoje a campeã mundial do consumo de energia eólica, tivesse nos anos 60 construído uma turbina de 200 kw (Gedser) com muitos dos avanços que viriam a equipar as turbinas de hoje [à esquerda, repare-se nas pás da hélice, semelhantes às dos moinhos de vento]. Porém, esta turbina era economicamente inviável, por se estar num tempo de petróleo barato. Mas vale a pena notar que o gosto dinamarquês pela energia eólica já vinha dos anos 20 do século XX...

Na mesma década de 60, há 45 anos, também a Alemanha (que não será por acaso é hoje o maior produtor e líder tecnológico mundial de turbinas) construíu vários avançados protótipos (para a época), indo com isso encontrando difíceis problemas mecânicos e engenhosas soluções para os mesmos. Uma dessas turbinas chegou mesmo a conseguir funcionar meio ano antes de avariar, graças a avanços fundamentais na construção mecânica parecidos com os que viriam a existir nas articulações das pás das hélices dos helicópteros [à direita, turbina Hutter alemã de há 45 anos: as pás das hélices já eram em fibra de vidro e plástico!..].

O maior dos engenheiros desta I&D alemã foi o Dr. Ing. austríaco Ulrich Hutter, que juntava o rigor matemático e a preparação teórica à capacidade experimental industrial, à boa maneira germânica, e que trabalhou no tema desde o seu Mestrado em 1942, com vários protótipos construídos nesses anos e nos anos 50. Hutter era especialista em aeronáutica, e durante a Guerra trabalhou no projecto de bombardeiros tácticos de mergulho para a Lwftwaffe, embora este projecto nunca tenha passado à produção...

Enquanto a Dinamarca e a Alemanha continuaram a aperfeiçoar continuamente os seus aerogeradores depois dos anos 60, o maior investimento de I&D em turbinas eólicas ocorreu nos EUA a seguir ao choque petrolífero de 1973, e foi financiado directamente pelo Governo americano. Mas, como aconteceu repetidamente na História, este projecto de I&D dirigido por um Governo falhou, devido à má política na sua orientação.

O projecto procurou copiar os resultados teóricos e experimentais do Dr-Ing. Ulrich Hutter, mas copiou mal, não reparando em pormenores mecânicos essenciais e acabando por gastar vários anos (e muito dinheiro) a acumular fracassos (no fundo, repetindo as experiências que os alemães tinham feito 30 anos antes), até aprenderem finalmente porque é que no projecto alemão havia certos pormenores à primeira vista inúteis - só que nessa altura o Congresso deu o projecto por terminado e cortou-lhe os financiamentos, reduzindo a duração das investigações dos necessários 8 anos para 4!

Entretanto, a Califórnia decidiu subsidiar a energia eólica com descontos nas tarifas nos anos 80 e encheu-se de wind farms, com pequenas turbinas de 50-100 kw que chegaram a somar 1700 MW; mas, devido ao fracasso da I&D americana e à política económica liberal de Reagan, assim como a uma má política de subsidiação em que os decisores políticos confundiam potência instalada com energia gerável (como cá...), o mercado acabou por ser ocupado pelos europeus, com 50% dele só para a Dinamarca. A tecnologia dinamarquesa não era brilhante mas era relativamente robusta e conseguira certificações de fiabilidade em que as americanas falhavam, embora os ventos fortes da Califórnia tenham acabado por avariar todas as turbinas, impondo custos de manutenção enormes, até que ao ver que elas não promoviam a indústria americana os Governos acabaram com as tarifas subsidiadas e as wind farms foram paulatinamente desaparecendo, no início dos anos 90.

Ao mesmo tempo, os preços muito mais altos da energia eléctrica na Europa Ocidental permitiram que a Dinamarca e a Alemanha continuassem paulatinamente o aperfeiçoamento das suas turbinas, até que nos anos 90 uma nova tecnologia fez o seu aparecimento nas turbinas eólicas, facilitanto em muito o seu controlo aerodinâmico e aumentando grandemente o seu rendimento e, por conseguinte, a sua viabilidade económica: a electrónica de energia.

Entretanto, a União Europeia começara a preparar desde 1990 o protocolo de Kyoto que viria a ser aprovado em 1997, o qual muito promoveu politicamente as energias renováveis e, com tudo isto, ao longo da década seguinte (a actual) a potência nominal das turbinas dinamarquesas e alemãs, em competição, foi crescendo de 50 para 100 kw, depois 200, depois 500, depois 1000, 1500, até se chegar aos 2000 (2 MW), 2.5 MW e aos 5 e 6 MW, ao mesmo tempo que o seu custo por kw descia.

Pelo seu lado, e também em meados dos anos 90, os EUA absorveram o know-how europeu por processos discutíveis (espionagem) como já narrei neste blog, e as soluções técnicas tornaram-se comuns e universais desde então, com a disputa ainda em curso entre duas opções: "geração síncrona com conversão de frequência", de patente disputada entre a Enercon alemã e a GE americana, e "geração assíncrona duplamente alimentada" usada por todos os outros fabricantes, com especial relevo para a líder de mercado dinamarquesa Vestas. Estes três fabricantes são os maiores do mundo juntamente com a espanhola Gamesa, adiante historiada.

Na presente década, pois, e como fruto por um lado de quase 70 anos acumulados de I&D, na Dinamarca e sobretudo na Alemanha, e do protocolo de Kyoto por outro lado, assistiu-se a uma verdadeira explosão da instalação de turbinas eólicas, com natural primazia para a Dinamarca e a Alemanha, mas também para Espanha.

A evolução da tecnologia de energia eólica em Espanha é particularmente instrutiva, dado que aquele país não participara na história do seu desenvolvimento tecnológico que resumi.
O seu principal fabricante, a basca Gamesa, foi fundada em 1976 como empresa essencialmente metalúrgica mas com o objectivo de explorar tecnologias emergentes, como a microeléctrónica, os materiais compósitos e a aeronáutica. Em 1993 produzia para a indústria aeronáutica asas, peças de fuselagem e partes de motores de avião e, praticamente ao mesmo tempo (1994), constituiu um ramo para a produção de turbinas eólicas, que é hoje em dia a sua principal aposta e cuja I&D ocupa, só por si, 600 investigadores. Sendo o terceiro fabricante mundial de turbinas, emprega mais de 7 mil trabalhadores e já instalou fábricas de montagem nos dois países cujo mercado está em maior crescimento: EUA e China. Vale a pena notar que, partindo de uma base tecnológica já de si favorável, a Gamesa, seguida por outros fabricantes espanhóis de turbinas eólicas (que no conjunto empregam cerca de 21 mil pessoas), se iniciaram na produção de turbinas com tecnologia própria na primeira metade dos anos 90, bem antes do protocolo de Kyoto mas quando as negociações internacionais climáticas de iniciativa europeia já permitiam antever o que aí viria - desde que se tivesse visão, claro...

Outro grande fabricante mundial actual que entrou no mercado mais ou menos na mesma altura (anos 90) foi a indiana Suzlon, cujo volume de vendas é 2/3 do da Gamesa, que ocupa a 5ª posição mundial como fabricante na pégada dos anteriores, e cuja história também é instrutiva.

Na Índia a energia eléctrica é cara e de má qualidade, o que torna economicamente viável a produção eólica mesmo sem subsídios, desde que o preço do barril de petróleo esteja acima dos 40 USD - embora o carvão seja a fonte de energia primária de 85% da electricidade indiana, complementada por nuclear.
Os fundadores da Suzlon foram o Sr. Tanti e os seus irmãos que, sendo empresários texteis, começaram por comprar uma turbina eólica alemã de que tinham de fazer a manutenção, acabando por decidir abandonar os texteis e fabricar turbinas dessas a partir de 1995. Beneficiando do enorme mercado interno e mais tarde do chinês, viriam a aproveitar o boom da actual década, em que a potência mundial instalada de origem eólica tem duplicado cada três anos!
Porém, a tecnologia indiana é relativamente fraca, com frequentes fracturas das pás das turbinas exportadas para os EUA (sempre o mesmo velho problema...) e, por isso, a empresa tem recorrido fortemente à contratação de especialistas europeus, tendo sediado importantes centros de I&D na Bélgica, Holanda e Alemanha (Hamburgo), cujos resultados são depois endogeneizados na Índia.
Nesta sábia estratégia de "se não podes criar a tecnologia nem espiá-la, compra empresas que a tenham", o passo mais importante da Suzlon foi a compra da REpower alemã à Areva francesa.
A REpower é um fabricante de porte comparativamente pequeno mas que domina a tecnologia da aerodinâmica e materiais das pás das grandes turbinas, fabricando das maiores que existem. Enquanto investimento, a REpower era também uma aposta da francesa Areva (cuja actividade central é a indústria nuclear) mas, perante a determinação da Suzlon, a Areva aceitou vender os seus 30% da REpower à Suzlon. (Nota: esta história sobre a disputa da Suzlon com a Areva pela compra da REpower tinha vários erros na versão inicial, que foram corrigidos em 7/10/09 - nomeadamente, a Areva nada tem a ver com a Alstom, embora se fale numa fusão entre ambas).
Porém, dado o capital envolvido, a Suzlon estabeleceu uma parceria para essa compra, realizada em 2007, com a... portuguesa Martifer! Mas a lei alemã exige a posse completa de uma empresa para se lhe poder aceder à tecnologia e, por isso, um ano depois a Suzlon comprou à Martifer a parte desta. A Martifer, que explorou a disputa de oferta de preços entre a Areva e a Suzlon, realizou, assim, um negócio financeiro espertinho e nem deve ter chegado a perceber o objectivo estratégico industrial da Suzlon, embora esta vá dizendo (como sempre se diz nestas compras, de início, para não afugentar clientes nem colaboradores-chave), que não vai interferir na gestão da REpower nem tirar-lhe a tecnologia...

Turbinas de 6 MW da REpower e da Enercon alemãs. Note-se o homem minúsculo entre as duas primeiras turbinas...

A estratégia da Suzlon é admirável porquanto, como é sabido, quando da emergência de uma nova tecnologia de grande valor comercial, a expansão comercial como função da tecnologia obedece a uma "curva em S". Presentemente nas turbinas eólicas está-se na fase intermédia de forte subida do "S" e, nestas condições, qualquer concorrente que ofereça algo que funcione consegue manter-se no mercado (como sucedeu na época do boom da informática dos PC na década de 90). Mas, fatalmente, o mercado há-de chegar à zona superior estabilizada do "S" e, nessa altura, só os concorrentes com fortes vantagens tecnológicas de produto ou de produção conseguirão manter-se. A aposta da Suzlon de compra de tecnologia europeia manifesta, pois, que está nisto para ficar!

Finalmente merece referência a história da tecnologia chinesa, de que dois fabricantes estão já na lista das "10 maiores", depois das anteriormente referidas. E merece referência para se entender como funciona o mercado e a indústria no país que tem o mais rápido desenvolvimento do mundo e 1/5 da população deste, cujo Partido Comunista no poder definiu "a rota capitalista para o socialismo".

A estratégia da China para a energia eólica começou com a sua inclusão no plano quinquenal do Partido para o desenvolvimento do país, originando directamente a criação da Goldwind Science & Technology em 1998, na sequência de Kyoto e já com uns anos de atraso relativamente às concorrentes estrangeiras.

Ao fim de um ano a empresa maioritariamente estatal Goldwing tinha um protótipo pronto, e com mais três (2002) iniciava a produção em massa, mudando a séde para Xangai e tendo obtido autorização do Partido para prosseguir os seus desenvolvimentos tecnológicos em obediência às directivas do 10º Plano Quinquenal. Em 2006 detinha 1/3 do mercado chinês, onde liderava, e ascendia à posição de 10º fabricante mundial de turbinas, ...atingindo a liderança mundial neste ano de 2009!!!

O crescimento da geração eólica, promovido por uma directiva do Partido para que 10% da energia proveniente das duas novas centrais a carvão lá construídas por semana seja compensada por fontes renováveis, assim como tarifas subsidiadas (10% acima das usuais), tem sido tão rápido que se estima que mais de 1/4 das turbinas eólicas montadas estejam paradas por falta de ligação à rede eléctrica, que muitas delas tenham sido montadas em locais sem vento, e que a intermitência deste coloque sérios problemas à gestão das redes eléctricas (problemas típicos do planeamento centralizado burocrático )! De qualquer modo, dos fabricantes estrangeiros, o que tem maior penetração na China (aliás como na Índia) é, de forma esmagadoramente dominante (37% do mercado, mais de metade da quota de importação), a dinamarquesa Vestas, ainda líder mundial. A Alemanha ocupa 14% do mercado chinês, mas a Espanha também consegue 5,5% desse gigantesco mercado!...

A qualidade das turbinas chinesas é fraca (muitas partem as pás e o eixo ao fim de poucas semanas - sempre o mesmo velho problema...), e a China ainda não exporta turbinas. Mas a lei chinesa requer que 70% do valor das turbinas instaladas seja de fabrico nacional, o que tem obrigado os exportadores estrangeiros a abrirem fábricas lá. Considerando a prática tradicional chinesa de usarem isso para aprender a tecnologia estrangeira e depois passarem a usá-la nas suas próprias produções, vale a pena notar que o custo de produção das turbinas chinesas é de apenas 70% do das estrangeiras, o que permite antever uma séria ameaça aos actuais líderes europeus no que respeita, pelo menos, ao mercado chinês.

É também de notar que a reacção chinesa ao protocolo de Kyoto foi a de o não subscrever mas iniciar de imediato o desenvolvimento da base industrial para o cumprir! É muito provável, pois, que 12 anos depois de Kyoto, em Dezembro próximo em Copenhague, a China reapareça agora a defender a descarbonização das economias (até porque a estratégia que aplicou no vento também a aplicou no carvão, no solar, etc).

Como ficará claro adiante, a estratégia chinesa desde Kyoto foi exactamente a oposta da portuguesa.

  • Chaves tecnológicas e valores acrescentados na construção de turbinas eólicas

Quanto maior for uma turbina eólica, mais potência pode gerar. Por um lado, esta potência aumenta com o quadrado da área varrida pela hélice (pás de 44,7 metros geram 5 vezes a potência de pás de 20 metros), e por outro lado quanto mais alta for a turbina mais vento apanha (o vento é mais forte nas alturas). Ora a potência que se pode tirar do vento aumenta com o cubo da sua velocidade (de um vento a 38 km/h tira-se o dobro da potência que se tira de um vento a 30 km/h), e como quanto mais alta for a turbina maiores poderão ser também as pás da sua hélice, facimente se percebe o interesse em ter turbinas altas e com grandes pás de hélice.

Duplicar as dimensões das pás de uma turbina e triplicar a altura da sua torre pode, como ordem de grandeza, aumentar 8 vezes a sua potência (dependendo das zonas).

Infelizmente, o aumento das dimensões das pás e da torre de uma turbina também lhe aumenta o peso, e sobretudo os esforços mecânicos a que as pás, o seu eixo, e a torre são submetidos. Pás de hélice como as fotografadas aqui, fazendo uma rotação completa cada 3 segundos, podem atingir nas extremidades velocidades de 300 km/h! As forças a que as pás são sujeitas são enormes!

Porém, um dos maiores problema dessas forças é que elas são diferentes quando a pá da hélice passa ao alto e passa em baixo, por causa da diferença de velocidades do vento com as alturas. Isso sujeita as pás e o seu eixo a torsões cíclicas que tendem, com o tempo, a "fatigá-los" e a acabar por os partir. O uso de 3 pás em vez de apenas duas (como se usaram inicialmente - vd fotos acima das turbinas Hutter) é uma das soluções para reduzir esses esforços no que respeita ao eixo.

Outro problema é que a rotação das turbinas cria inércia giroscópica (a mesma que explica porque as bicicletas não caiem quando em movimento), o que acarreta que para reorientar o eixo de uma turbina de modo a que ele se alinhe com o vento, quando este muda de direcção, são precisas forças enormes que também tendem a "fatigar" e partir o eixo e os encaixes das pás.

Além dos problemas indicados, as pás devem ter uma forma que optimize a energia que são capazes de extrair do vento e devem ser leves, mas rígidas. Trata-se de um tipo de problemas comum no projecto de aviões e, por isso, não é de admirar que os especialistas iniciais do assunto (como Hutter) e algumas das indústrias associadas (como a Gamesa) fossem especialistas em aeronáutica, embora os aerogeradores tenham problemas específicos diferentes dos dos aviões. Mas, também nos aviões, foi preciso tempo para que dos leves biplanos e triplanos da Grande Guerra se passasse aos monoplanos da Guerra Mundial e aos jactos com asas de geometria variável actuais...

O fabrico das pás das hélices e o crescimento do seu tamanho ocorrido na última década está fortemente associado ao uso de novos materiais e às respectivas técnicas de fabricação. Basicamente feitas de plásticos (polímeros) reforçados com fibra de vidro laminada, são em regra endurecidas com resinas epox cujo vazamento tem de ser perfeitamente homogéneo, e há uma tendência recente para o emprego de fibras de carbono. As soluções variam com os fabricantes e estão em permanente evolução, e é óbvio que a estrutura das enormes pás das hélices (desejavelmente leves mas muito rígidas e resistentes) é o problema técnico mais difícil das turbinas eólicas.

Uma outra tecnologia chave é a do controlo da electrónica de energia das modernas turbinas. Se até há poucos anos esse controlo procurava apenas extrair o máximo de energia do vento permitindo, por exemplo, que a velocidade de rotação da hélice acompanhe a velocidade do vento até certo ponto, o que muito aumenta o rendimento da turbina, à medida que a quantidade de potência eólica instalada começou a tornar-se importante, as redes eléctricas a que elas se ligam começaram a exigir que as turbinas conseguissem suportar as perturbações que sempre existem nessas redes, e que as características da potência a que operam fossem controláveis, como nas centrais convencionais.

As soluções para estas exigências de qualidade passam pela adaptação quer dos algoritmos de controlo, quer pela própria electrónica de energia que equipa as turbinas modernas, e são um dos pontos de forte competição actual entre os fabricantes, com algumas tecnologias a poderem mais facilmente que outras cumprir estas exigências de qualidade. É particularmente instrutivo verificar que, nesta qualificação das turbinas eólicas, existe uma clara colaboração entre as autoridades públicas, as empresas de electicidade responsáveis pelas redes dos países onde a indústria de turbinas é forte, e esta indústria, quer pela colaboração atempada com os fabricantes nacionais, quer por a exigência de funcionamentos de qualidade ser uma forma de barrar mercados a concorrentes estrangeiros eventualmente mais baratos mas menos qualificados, sobretudo quando se traduz em normas com força legal. Ora, é ilustrativo verificar que, nesta matéria, Portugal está completamente a Leste do que está a acontecer no mundo, como já manifestei neste blog!...

Finalmente, e após ter procurado dar uma ideia das dificuldades tecnológicas associadas à produção de energia eólica (consumir tecnologia é fácil, mas não é isso que torna alguém evoluído), penso merecer ainda uma menção o valor que poderá ter a simples fabricação ou montagem de turbinas projectadas por outrem, e com processos de fabrico (nomeadamente nas componentes críticas) também projectados por outrem.

O custo das partes de uma turbina eólica moderna somado fornece o custo da sua produção (70%), mas a que se soma ainda o do seu transporte e instalação no terreno (30%).

Nestas partes de uma turbina, as pás e o respectivo eixo rotativo de suporte valem perto de 30%, a torre e mecanismos de posicionamento da barquinha superior 20%, e os restantes 50% são pelo conjunto do gerador+electrónica de energia+caixa de velocidades (caso exista). Obviamente que o projecto da turbina é integrado e é a chave da sua viabilidade, mas do ponto de vista da simples fabricação, projecto áparte, é esta a divisão principal de custos.
Destas partes, as que incorporam maior volume de trabalho operário são a fabricação das pás das hélices e a electrificação do gerador e partes associadas (ligação de cabos), que o documento acima linkado estima em 15% do respectivo custo total.

  • As opções feitas por Portugal: modernismo, ou incompetência e fraude?

Todo o trabalho de I&D nas tecnologias de turbinas eólicas que conduziu, ao fim de 70 anos, à maturidade que a geração eólica tinha atingido por volta de 1994, passou ao largo de Portugal.

Portugal acordou para a energia eólica no Governo de Guterres, em 2001, com o Prof. Oliveira Fernandes da FEUP, mas acordou apenas... como consumidor! E nisto é que, de facto, fomos pioneiros e somos líderes mundiais.

De facto, todos os outros países, sem excepção, que apostaram na instalação e consumo de energia eólica tinham previamente desenvolvido uma indústria de turbinas com tecnologia própria, como historiei, e os que não tinham ou têm essa indústria e tecnologia nacionais têm continuado no grosso do pelotão, tentando ficar o mais possível na reactaguarda sem dar nas vistas - como é o caso da Suécia, Noruega, Finlândia, Bélgica, Holanda, Polónia, Bulgária, Roménia, República checa, Eslováquia, Itália, Suiça ou França! E isto para só falar da Europa, a campeã de kyoto e das renováveis...!

Os casos mais paradigmáticos de como se atrasou a adesão ao consumo de energia eólica para dar tempo primeiro ao desenvolvimento interno de tecnologia própria e indústria nacionais de turbinas foram, sem dúvida, a China e os EUA, como historiei, e cuja abertura às importações visa pressionar os actores nacionais para a evolução tecnológica, mas sem que percam o controlo sobre os respectivos mercados. Além da China que, como mostrei, exige 70% de incorporação chinesa nas turbinas instaladas (começou por só exigir 57%...), também os EUA dão incentivos na forma de créditos fiscais à fabricação feita no seu país. Nenhum país, repito, nenhum excepto Portugal, permitiu a inundação do seu mercado de geração de electricidade por equipamentos importados de energia renovável subsidiada sem criação de qualquer emprego industrial no país!

De 2001 até ao presente (2009), e sobretudo desde 2003, a importação e instalação de turbinas eólicas foi fulgurante. Em Junho passado estavam instalados 3335 MW de turbinas eólicas, e até ao final do ano a DGEG espera ter a instalação de um total de 3800 MW, 3/4 de todo o potencial eólico nacional, num investimento que se pode estimar em 4,2 biliões de €, dos quais uns 3 em equipamento importado e o restante em trabalhos de instalação - sem mencionar os investimentos que a EDP e a REN tiveram de fazer para ampliar as redes de forma a integrar essa energia! Estavam também já licenciados, em Junho, mais 442 MW, o que totaliza mais de 80% do potencial eólico português!

Ou seja, o mercado nacional para turbinas eólicas aproxima-se muito rapidamente do esgotamento. Que empregos, portanto, poderão vir a ser agora criados pela energia eólica em Portugal?

Ora foi só em 2006 que o Governo português sentiu a incomodidade de promover a forte subsidiação da indústria estrangeira de turbinas eólicas - facto único no mundo! - sem qualquer criação de riqueza no país e começou a falar na criação de um "cluster eólico". Já a importação e instalação de turbinas estrangeiras levava 5 anos! Verdade seja dita que, mesmo assim, foi preciso chegar ao Governo actual para que a vergonha da situação fosse sentida mas, infelizmente, rapidamente se passou à pura propaganda mistificadora.

As promessa de milhares e milhare de empregos soam por todo o lado, mas o prometido "cluster eólico" teve a primeira fábrica a operar apenas no fim de 2008, e com apenas 800 operários não-qualificados. A EFACEC assegura a electrificação dos geradores nas barquinhas e dos parques eólicos à rede mas, obviamente, isso é uma actividade não-exportável que se esgotará quando se esgotar a total ocupação do potencial eólico nacional, muito em breve.

O projecto do "cluster eólico" baseia-se num investimento liderado pela Enercon, o fabricante alemão preferido pelos decisores dos concursos públicos concessionários dos "pontos de ligação" à rede das eólicas, cobre em princípio todas as fases da fabricação e anuncia que, quando completo, empregará 1800 pessoas (na região de Viana do Castelo) e terá comportado um investimento directo estrangeiro de 0,1 biliões de € (2% do investimento nacional total na energia eólica). Há ainda e finalmente a generosa dádiva de 35 milhões de € a Portugal para que este comece a investir na tecnologia eólica (sob tutela de um "fundo" cuja Administração foi nomeada pelo Governo, e já só em 2009)...

A questão que se coloca é como se poderá sustentar tal "cluster industrial", uma vez esgotado (em breve) o mercado nacional, que apenas acrescente o valor da mão de obra nas partes cujo fabrico não pode ser robotizado e que, segundo o documento linkado acima, não constituirá mais de 15-20% do valor da turbina, considerando que:

  1. Como Portugal não tem qualquer know-how no assunto, está completamente dependente da Enercon;
  2. Os custos de transporte das turbinas eólicas é tremendo, dada a sua dimensão, o que recomenda fortemente a fabricação local nos mercados de exportação;
  3. Os maiores mercados emergentes, os dos EUA e da China, subsidiam ou impõem a fabricação local, o que se soma à redução dos custos de transporte;
  4. Os mercados próximos, europeus, ou estão perto do esgotamento, ou protegem os seus fabricantes nacionais.

De tudo o que foi exposto, não se vislumbram razões para acreditar que estas fábricas sobrevivam ao esgotamento do mercado nacional das eólicas. Não têm condições de sobrevivência. Não se trata de uma indústria como a de automóveis da Auto-Europa onde existe um mercado relativamente estável; o mercado destas fábricas é um mercado em explosão, mas que na Europa está já quase esgotado. Que ficará praticamente esgotado em Portugal muito em breve.

Na verdade, face aos 4 bilões de € totais que terão rendido aos fabricantes estrangeiros o investimento português em energia eólica, gastar 2,7% disso numa acção de promoção política pedida pelo governo português para fazer umas fábricas que são para fechar poucos anos depois, não parece grande comissão.

5 comentários:

Jorge Oliveira disse...

Caro Prof. Pinto de Sá

Eu não diria que Portugal acordou para a energia eólica em 2001, com o governo de Guterres.

Já em 1989/90 o Departamento de I&D da EDP, então chefiado pelo Eng. Leuschner Fernandes, dava os primeiros passos na energia eólica, promovendo e participando nos estudos para levantamento do potencial eólico do país.

Concluídos esses estudos, a EDP criou a Enernova, com a particularidade de afastar do caminho as pessoas que tinham trabalhado no assunto e colocando à frente da empresa os figurões do costume ligados ao Partido Socialista.

Em 2001, o ministério da Economia estava entregue a Braga da Cruz, cujo secretário de estado era o Oliveira Fernandes. Juntos, fizeram o pior que era possível : lançaram o famoso Programa E4, cujo principal desígnio era satisfazer os interesses dos promotores das renováveis e meteram o país na fantasia do MIBEL.

A juntar ao cancelamento de Foz Coa, Guterres deixou-nos, de facto, uma pesada herança no sector da Energia.

Cumprimentos
Jorge Pacheco de Oliveira

Pinto de Sá disse...

Caro Eng.º Jorge Oliveira

Naturalmente que já antes do "programa E4" de 2001 havia pessoas que em Portugal se interessavam pela energia eólica. Nunca foi, foi na perspectiva de uma indústria de produção nem da tecnologia associada!
Em 89/90 estava em curso o programa VALOREN e Portugal acordava para as renováveis, mas na altura a grande aposta eram as mini-hídricas e as coisas eram subsidiadas por Fundos Europeus.
O Departamento de I&D chefiado pelo Eng.º Leuschner Fernandes era constituído por ele próprio, salvo erro mais 2 engenheiros e uma Secretária - aliás, não muito menos do que será hoje a EDP-Inovação. Obviamente, I&D é que NÃO faziam! Procuravam acompanhar o que se fazia por aí, e com os recursos que tinham já não era mau...
Mas, nesses anos (finais de 80), houve uma política de I&D em mini-hídricas, e o Ministério da Indústria de Baião Horta financiou um grande projecto que envolveu o IST e várias empresas - embora nunca na perspectiva da indústria de equipamentos...
Em todo o caso, é verdade que o primeiro parque eólico em Portugal (tirando as ilhas) foi instalado já em 1996, com a criação da Enernova, mas na altura a eólica era vista como apenas mais uma energia renovável, a par das mini-hídricas (que eram o centro) e o solar (muito especulativo, ainda). Mas era um parque (em Lamego) experimental, de apenas 10 MW, já que as turbinas eram caríssimas e ainda não havia a política de subsidiação que Oliveira Fernandes criou.
Quanto a quem é posto à frente das empresas da EDP, todos sabemos que isso depende do Partido no Governo e também de outras entidades de 2ª linha, como as Lojas maçónicas, a Opus Dei, etc...
Na EDP, e em todas as outras empresas, Institutos e Fundações que dependem do Estado...!
Mas confesso que não estou muito interessado em discutir politiquices. Deixo isso aos outros blogs. Interessa-me discutir é as políticas tecnológicas e de I&D, e na perspectiva do desenvolvimento do país!
Cumprimentos,

Anónimo disse...

É estranha a alocação de recursos em Portugal. Por um lado existem graves deficiências a nível da saúde (listas de espera são um fenómeno comum para quase tudo), as reformas dos portugueses devem diminuir bastante nas próximas décadas e mesmo na educação querem-se rácios professor/aluno quase intoleráveis (afinal fica muito mais barato se um professor der aulas a mais alunos).

E no final somos brindados com este gasto de dinheiro sem qualquer justificação a não ser a cedência a uns lóbis.

Anónimo disse...

No início de 1981 (salvo erro) em Lisboa, no Hotel Sheraton, fiz parte da organização do primeiro simpósio sobre "energias alternativas", com o apoio da empresa sueca FlAKT. Muitos foram os convidados, contudo, naquela época, no país e nas mais diversas instituições e/ou empresas a maioria dos responsáveis e/ou quadros nem sequer sabia o que eram as ditas "energias alternativas". Não houve interesse político nem económico e a coisa morreu por ali, lamentavelmente.
Algum tempo depois surgiu nova possibilidade de se criar no país o primeiro parque eólico, desta vez com o apoio da Dinamarca.
Existiam interessados, terrenos apropriados, embora privados e a oferta por parte da Dinamarca do know-how e da tecnologia. Faltou apenas e só a respectiva autorização da EDP.
Indeferido, mais uma vez um projecto inovador morreu à nascença.
Cumprimentos

Pinto de Sá disse...

Quer o estimado Eng.º Jorge Oliveira, quer o Anónimo da 1:15, reportam tentativas falhadas de, nos anos 80 e 90, se estudar a instalação em Portugal de parques eólicos pioneiros.
Devo notar que não estamos em sintonia, de modo algum.
Para ser claro e directo: eu acho MUITO BEM que em Portugal se não tivessem instalado parques eólicos por essa altura.
E acho MUITO BEM porque, como é patente de tudo o que tenho escrito, não vejo nada de positivo em Portugal ter imensas turbinas eólicas ESTRANGEIRAS instaladas, sem que elas tenham criado qualquer emprego em Portugal, e muito menos emprego sustentável, que só pode ser o que incorpora tecnologia própria.
E 1981 a EDP, nacionalizada há poucos anos e na ressaca do PREC, via-se um pouco na pele da EDF e tentava promover a indústria nacional FABRICANTE com projectos inovadores, nomeadamente a àrea de ELECTRÓNICA DE ENERGIA da EFACEC. E fazia muito bem, porque é isso que fazem todas as empresas congéneres europeias!
Porém, no tempo do Eng.º Leuschner esse espírito já tinha morrido na EDP, que estava deslumbrada com a entrada para a União Europeia e que achava que, por isso, tinha acabado o tempo dos proteccionismos nacionais.
Na EDP isso tem tido altos e baixos, mas a REN, por exemplo, embora seja um mero braço energético do actual Governo, nunca mais se libertou desse provincionismo europeísta e tem até, ultimamente, entregue toda a sua estratégia tecnológica a Espanha.
Mas é uma grande defensora da instalação de parques eólicos... de turbinas importadas!