Um colega por quem tenho grande estima manifestou-me recentemente algum cepticismo quanto ao futuro do nuclear, evocando a suposta miragem da fusão nuclear como exemplo.
Gostaria, por isso, de notar que há diferentes estádios de experiência demonstrada nestas tecnologias, e portanto nas janelas temporais em causa.
A cisão dos átomos de Urânio 235 é usada em reactores industriais há 54 anos!...
Presentemente (desde 1996) está-se na 3ª geração de centrais deste tipo, que se distinguem das anteriores basicamente pelo aperfeiçoamento construtivo - especialmente quanto a segurança.
A transmutação do 138 vezes mais abundante Urânio 238 em Plutónio, e a cisão dos átomos deste, é a base das centrais de 4ª geração. A sua disponibilidade comercial é prevista para dentro de 20 anos, mas este atraso não decorre de haver algum problema técnico por resolver, dado que já houve várias grandes centrais prototípicas em funcionamento, nomeadamente no Japão e em França, e há ainda uma na Rússia. Os problemas que existem respeitam à fiabilidade a longo prazo das centrais e à questão da possível proliferação do Plutónio que geram e que consomem. E é isto que se espera que leve 20 anos a resolver, mas é um prazo que depende muito do empenho que a comunidade internacional colocar no projecto.
A fusão nuclear controlada, pelo contrário, é algo que ainda tem problemas sem solução técnica provada. Há um grande projecto internacional que já escolheu a França para recipiente da primeira instalação prototípica de grande potência (e de que a figura mostra o aspecto geral), mas a construção dessa central está demorada. Talvez lá para 2020 esteja pronta, mas daí até ser possível industrializar esse tipo de centrais para a produção de energia várias décadas deverão passar.
No entanto, gostaria de partilhar convosco um devaneio meu: supondo que o ITER começa a funcionar em 2020, que em 2040 o confinamento dos plasmas quentes está dominado para aplicação industrial e que portanto se começam a construir centrais de fusão, gostaria de devanear com a possibilidade de, uns 50 anos depois, lá para o fim do século, a fusão nuclear de outros materiais além do Hidrogénio já ser possivel de forma controlada.
E então, por volta de 2100, poder-se-ão construir as primeiras grandes naves interestelares que nos poderão levar aos exoplanetas de que na altura já se conhecerão muitos de tipo terrestre, e em que cada viagem levará (para os que nela forem) basicamente sempre 2 anos: 1 para acelerar até perto da velocidade da luz, e outro para a desaceleração subsequente.
Obviamente, isso requer uma energia que só reactores de fusão nuclear, eventualmente alimentados pela própria poeira do espaço, poderão produzir.
Isto, naturalmente, se não nos aniquilarmos mutuamente nem regredirmos a uma nova Idade Média, entretanto.
4 comentários:
bom artigo!
Dois anos numa viagem para um planeta fora do sistema solar, em velocidade média inferior à da luz?
Um ano para acelerar à velocidade da luz?
Devaneie, mas com um mínimo de apego à realidade!
"Apegando-me à realidade":
Com uma aceleração igual à da gravidade, ou seja, 9,8 m/s, são precisos 354 dias para atingir a velocidade da luz. Um ano, aproximadamente.
Ora à velocidade da luz o tempo PÁRA, para quem vai a essa velocidade. Claro que essa velocidade nunca é atingida e o próprio tempo vai mudando à medida que a velocidade aumenta, muito antes de se aproximar da da luz.
Mas para longas distâncias (mais que algumas dezenas de anos-luz), o determinante é a distância viajada perto dessa velocidade da luz.
E claro, depois é preciso outro ano para desacelerar...
Onde está o desapego da realidade? No sentido de realidade física, e não histórica, claro.
Hmm, a previsão do projecto ITER é de obtenção de uma reacção D-T equilibrada em 2040, com injecção em larga escala de energia na rede eléctrica nunca antes de 2075. O cenário é ainda mais pessimista, portanto.
Enviar um comentário