domingo, janeiro 31, 2010

Uma reflexão masculina heterodoxa da história da monogamia :-)

Hoje vou mudar de assunto e partilhar convosco uma conjectura que sei ser discutível e de que eu próprio me rio, mas contra a qual na verdade ainda não encontrei argumentos científicos. Quem quiser divertir-se, que se adiante. De qualquer modo e antes de prosseguirem a leitura, repito que o que se segue não pretende ser inteiramente ciência, mas apenas ilustrar galhofeiramente como a Ciência não é neutra.

Como muitos saberão, há muitos investigadores que se têm interessado pelo estudo evolutivo de alguns marcadores genéticos, em particular dos haplótipos, umas combinações de alelos ou genes com variantes que determinam, por exemplo, as diferentes cores de olhos ou de cabelo entre indivíduos. É a partir dessas investigações que, por exemplo, se chega à conclusão de uma origem única para a nossa espécie no corno de África, de onde aliás partiram várias vagas de humanos, a última das quais, a nossa (Homo Sapiens), há cerca de 40-50 mil anos. Estudos similares na linguística chegam às mesmas conclusões, o que não é de surpreender visto os dialectos se desenvolverem em comunidades mais ou menos fechadas que tendem naturalmente também para a afinidade genética.
Basicamente esta linha de pensamento considera que numa dada comunidade de onde se separe um sub-conjunto de indivíduos, este sub-conjunto é portador de apenas parte da diversidade genética do grupo original, de modo que à medida que vai ocorrendo a "sub-especiação" a homogeneidade genética dos novos sub-grupos aumenta. Por conseguinte, os grupos com maior diversidade genética serão os mais antigos, e os com menor os mais recentes.
Como noutras áreas da Ciência, porém, esta teoria (ou da origem única) é controversa e tem a oposição dos que defendem uma origem multi-regional da espécie, com múltiplos cruzamentos ao longo do tempo. Porém, à medida que a informática e o estudo do genoma permite o tratamento de volumes cada vez maiores de dados genéticos de diferentes populações, a teoria da origem única tem vindo a ganhar terreno enfraquecendo os argumentos da teoria da origem múltipla. As consequências ideológicas destas duas teorias permitem compreender porque é tão acesa a luta entre elas: a teoria da origem múltipla aponta para uma natureza humana originalmente boa e tolerante às diferenças, mais tarde pervertida pelas estruturas sociais da civilização, enquanto a teoria da origem única aponta para a supremacia de uma única linhagem original, sem cruzamentos entre sub-espécies substancialmente diferentes e com a eliminação das menos aptas (não forçosamente pela guerra, entenda-se).
Um exemplo típico desta polémica é a que foi despoletada pela descoberta em 1998 do nosso célebre "menino de Lapedo", que o arqueólogo João Zilhão e outros defendem constituir uma prova do cruzamento de Neanderthais com Homo Sapiens, há uns 25 mil anos (a península ibérica foi o último lugar onde viveram Neanderthais, até há 25-30 mil anos), mas outros argumentam ser impossível ainda haver traços morfológicos de Neanderthal muitas gerações depois desta sub-espécie humana ter desaparecido. Um projecto de sequenciação do Genoma do Neanderthal, entretanto, tem vindo a reforçar a hipótese de que não haverá, de facto, traços genéticos dessa sub-espécie na nossa. Note-se que, segundo a teoria da origem única, terão havido várias vagas migratórias originais de África de espécies humanas, mas só a última vingou. A nossa, obviamente.
Muitos destes estudos centram-se no ADN mitocondrial, que quase só se propaga por via materna, ou no do cromossa Y, que só se propaga por via paterna, embora em ambos se usem modelos de "relógios moleculares" para temporizar (estatisticamente) as mutações e, retrospectivamente, origens ancestrais das populações.

Entretanto, um dado assente é que o advento da agricultura e, com ela, a "1ª vaga" de explosão demográfica humana (a 2ª ocorreu com a industrialização e a 3ª estará em curso com a revolução do conhecimento), deu-se no Próximo Oriente e propagou-se daí pela Europa. A "1ª vaga" correspondeu à chegada do Neolítico e com ela à superação do Paleolítico, dominado pela caça e pela apanha do que a Natureza proporcionasse, e ocorreu há cerca de 10 mil anos, chegando à ponta da Europa mais afastada do Médio Oriente, a Irlanda, há uns 6 mil anos (e cá há uns 8 mil). Muito antes disto e praticamente logo que aparecera, a nossa espécie dedicara-se a realizar "crimes contra a biodiversidade" do planeta, depradando até à extinção muitas das grandes espécies que encontrou, dos mamutes norte-americanos aos cangurus gigantes da Austrália.
Se a propagação da 1ª vaga foi por via cultural (conversa e aprendizagem) ou por migrações (deslocação pessoal) tem sido uma questão em aberto entre os investigadores.

Ora acaba de ser publicado um estudo envolvendo um largo conjunto de investigadores europeus de diferentes países que demonstra que há uma extrema coincidência entre a conhecida propagação da agricultura na Europa, de Sudeste para Noroeste, e a presença de um marcador específico no cromossa Y dos homens - e essa coincidência é no sentido de a maioria dos homens europeus, cerca de 80%, descenderem dos mesmos "avôs", ou antepassados masculinos. O que não se verifica quanto aos marcadores genéticos de origem feminina. Estes novos resultados parecem corrigir as conclusões obtidas há uma década e que apontavam para uma maior diversidade de origens masculinas, embora já então fosse evidente elas não coincidirem com as femininas.
Quer isto dizer que com o advento da agricultura, foram os homens agrícolas que predominantemente se reproduziram, com mulheres locais (paleolíticas). O que aponta para a regra da poligamia ter acompanhado a 1ª vaga.
Aliás, outros estudos genéticos recentes do mesmo género também já apontavam para o facto de sermos todos descendentes de um número reduzido de homens, muito menor que do número de mulheres.
Estas conclusões parecem dar razão à opinião de um amigo meu, segundo a qual há uma alienação na busca masculina de sucesso social e riqueza como fim último da existência, visto o verdadeiro fim natural desta ser o da posse do maior número possível de mulheres, com vista à maximização da reprodução dos genes masculinos. E, invocando o exemplo de muitas espécies animais, nota ele que verificando-se aí a existência de machos dominantes que após acesa competição logram o "the winner takes it all", isso é a forma como a Natureza procede ao apuramento dos genes que garantem a adaptação evolutiva permanente ao ambiente - por via da competição entre os machos e pela reprodução apenas dos dominantes. Aliás, do ponto da vista da Natureza os machos não teriam mesmo mais nenhum papel.
Embora admita que o cromossoma Y é o que mais mutações tem sofrido e que será predominantemente através dele que a evolução genética se processa nos mamíferos, a mim sempre me pareceu que esta teoria dos machos dominantes e polígamos era uma generalização abusiva das práticas dos herbívoros, que vivem, de facto, em grandes grupos (de fêmas, crias, e um macho dominante). Nos carnívoros, porém, que são muito mais inteligentes que os herbívoros, as práticas "familiares" são diferentes. Há só uma regra comum: os machos não toleram crias alheias, o que cria um curioso fundamento para o regime "familiar" dos leões, por exemplo: as leoas acarinham o seu leão macho porque é ele que lhes protege as crias contra os outros machos de fora da "família" - mesmo que esse macho tenha ganho o seu estatuto matando as crias anteriores da leoa! Mas, nos carnívoros, as coisas são de facto diferentes, e mesmo nas poucas espécies que constituem grandes grupos, como as dos eficazes canídeos, ou há também uma fêmea dominante que também mata as crias das outras fêmeas e forma um casal real, como nos lobos, ou são mesmo as fêmas que são dominantes, como nas temíveis hienas.
Seja como for, a revelação de que o número dos nossos antepassados masculinos é muito menor que que o dos femininos parece apontar para a predominância do paradigma sexual dos chimpanzés sobre o dos bonoboos na nossa ancestralidade, o que para quem se imagina um macho dominante nesses tempos antigos pode parecer interessante, mas a quem eu notaria que, probabilisticamente, se fossem machos transportados no tempo para essa antiguidade seria bastante mais provável, pela simples lógica dos números, que pertencessem ao maioritário conjunto dos excluídos, e não ao da minoria dominante. Uma lógica similar à que se pode aplicar às bonitas histórias sobre príncipes e cavaleiros antigos e em que gostamos de nos imaginar a viver como eles, mas em que a simples lógica dos números nos indica ser muito mais provável sermos os seus miseráveis criados ou servos da gleba, se fossemos transportados para tais cenários.
E vem isto tudo a propósito do advento da monogamia, ocorrida há uns 5 mil anos, depois de bem assente a revolução neolítica e quando as cidades se erigiram em civilizações, com Estado, leis e escrita. Monogamia tratada legislativamente em detalhe no Código de Hamurabi, regulada nos 10 Mandamentos judaicos e imposta, claro, pelo cristianismo.

E a conjectura que me traz aqui é esta: hoje, que graças à invenção da pílula e ao facto da 3ª vaga ser partilhada pelas mulheres, temos vindo a viver uma nova revolução sexual, a das mulheres, há muito quem olhe para a monogamia tradicional como um ferrolho da liberdade. Porém, a monogamia veio trazer a cada homem o direito de ter uma mulher, quando antes essa propriedade seria exclusiva de chefes e reis, que as tinham a todas, a julgar pela descendência que deixaram (incluindo nós).

Ou seja: a monogamia, longe de ter sido um ferrolho à liberdade pessoal masculina, foi de facto uma grande evolução democrática e uma importante limitação do poder dos chefes e reis.
Para os homens, claro.
Para as mulheres, a democratização sexual teria que esperar mais 5 mil anos e ainda não foi aceite pelos muçulmanos, razão maior da guerra mundial em curso e apesar de uma amiga minha defender, talvez com algum exagero, que "no fundo de cada homem há sempre um muçulmano recalcado"...   :-)

sexta-feira, janeiro 29, 2010

Preços da electricidade - com e sem impostos

No meu post anterior, afirmei que o preço da electricidade ao consumidor doméstico era, na Holanda, 2/3 do da Dinamarca e 30 % superior ao preço em Portugal.
Porém, devia ter comparado o preço dessa electricidade antes de impostos. Por isso trouxe aqui um gráfico dos preços ao consumidor da electricidade (há 4 anos), na Europa - com impostos (o total) e sem (as barras azuis escuras).
Como é evidente, antes de impostos o preço da electricidade na Holanda é inferior ao português. Aliás, antes de impostos só a Irlanda (com os seus custos de insularidade) e a Itália têm preços superiores aos nossos.
O custo da electridade em Portugal tem um preço para o consumidor que é médio, em termos europeus, porque cá o Estado financia a energia (com subsídios às renováveis), enquanto nos países mais ricos da Europa os Estados financiam-se com a Energia.
E isto é assim porque o nosso Governo não tem a coragem de permitir que os preços reflictam inteiramento o custo da sua política de subsidiação às renováveis.
Quando esses subsídios forem inteiramente reflectidos nos preços, provavelmente então "sem tarifas" para que o Governo possa dizer nada ter a ver com esses preços e reclamar que eles apenas reflectem "o mercado", vamos garantidamente estar na gloriosa posição de ter a energia eléctrica mais cara da Europa, sobretudo considerando a necessidade de amortizar as inúteis hidroeléctricas em construção. Antes de impostos. Que se calhar também vão ter de subir, para pagar a dívida pública. E nessa altura talvez a EDP entre em falência, por incapacidade de competir com os preços da energia espanhola, e talvez as "eléctricas" espanholas a comprem. Fará isto tudo parte de um plano precisamente com esse objectivo?

quinta-feira, janeiro 28, 2010

O discurso do Estado da Nação e o que fez a Holanda

A previsão futurística que postei há 3 semanas de que os EUA irão apostar no nuclear como estratégia de posicionamento no movimento global para a "descarbonização" da economia, e que se baseia em somar 2 e 2 em geopolítica, tem mais um reforço: essa é a posição com que o Presidente Obama está a tentar obter o apoio dos senadores republicanos para a sua proposta de "descarbonização" e, de um modo geral, conseguir algum consenso na matéria, tanto nos EUA como na Europa. Acaba de o dizer no seu Discurso do Estado da União, embora a nossa imprensa "do regime" tenha "ignorado" esse detalhe...
Se, na verdade, olharmos para o mapa da Europa e agruparmos os seus países nos entusiastas das renováveis (Alemanha, Dinamarca, Espanha, Portugal e agora também a Inglaterra), e nos que tentam passar desapercebidos nessa matéria (Suécia, Finlândia, França, Bélgica, Itália, Polónia, República Checa, Eslováquia, Roménia, Lituânia, etc), vemos que há uma característica comum aos últimos: forte peso da energia nuclear na sua produção de energia! A Itália é um caso especial, porque fechou as 4 centrais que tinha nos anos 80 e com isso tornou-se o maior importador europeu de energia, mas recentemente acordou com a França o regresso a essa opção. E tanto a Alemanha como a Inglaterra e Espanha têm energia nuclear e correntes que o defendem, dependendo o futuro da evolução política dominante nesses países. Ou seja: quando o Governo nos tenta entusiasmar com a suposta posição de vanguarda de Portugal na corrida às renováveis, é conveniente notar que, na verdade, é uma minoria o leque de países que está nessa corrida, mau-grado toda a propaganda verde de Bruxelas nesse sentido.
Ora se os EUA vierem a afirmar, neste ano de 2010, o renascimento do nuclear conforme vaticino, a questão passará para a ordem do dia também por cá.
E, neste quadro, penso que a pior coisa que poderá acontecer a Portugal é o Governo começar a virar nessa direcção com a mesma incompetência, irresponsabilidade e sei lá que mais, com que isso foi feito na adesão à energia eólica. É de estar atento à cimeira de Abril próximo entre o nosso 1º Ministro e Sarkozy, porque penso não ser impossível vir de lá um pré-acordo de compra de uma EPR da AREVA, coisa para que o país não está minimamente preparado...

A segunda nota de hoje é que, embora continue a não encontrar nada que tenha em conta a correlação do vento com a chuva no planeamento do binómio eólico-hídrico, descobri uns papers muito recentes que ilustram o tipo de estudos que devem ser feitos no planeamento de uma opção nacional pela energia eólica, num país civilizado e com dimensões do género da do nosso.
Esse estudo foi encomendado pelo Ministério da Economia da Holanda, no contexto da Directiva Europeia para a produção de 20% da energia eléctrica com fontes renováveis até 2020 (embora estudos preliminares já viessem de 2003), e foi contratado com dois tipos de entidades: várias Universidades holandesas, e uma empresa estrangeira com as melhores ferramentas de cálculo e sólida experiência, a SIEMENS, e isto apesar da KEMA ser holandesa! Uma combinação avisada. 
A Holanda é ainda um exemplo interessante para nós pelo seguinte:
a) tem 1,4 vezes a nossa população e 2,4 vezes o nosso consumo de electricidade, nomeadamente uma ponta de consumo de 21 GW;
b) é um país com completa liberalização do mercado de electricidade: não há subsidiações e, como consequência, o carvão produz lá 35% da energia eléctrica, o gás natural 25% em centrais de ciclo combinado, a cogeração 20%, o nuclear 3% (num "pequeno" reactor de 482 MW), e o eólico aproximadamente o mesmo, mas a electricidade para o consumidor doméstico é cara: apenas 2/3 da campeã da careza que é a Dinamarca, mas mais 30% que em Portugal, onde por sua vez a electricidade custa mais 30% que em França e mais 40% que na Finlândia [estes preços são com impostos. Antes de impostos, os preços holandeses são ligeiramente inferiores aos nossos]...
c) tem dois vizinhos: a Bélgica e a Alemanha;
d) não tem nenhuma indústria forte de equipamentos eléctricos a proteger;
e) tem bons recursos eólicos, na sua costa.
Vale ainda a pena notar que, nas negociações com Bruxelas, a Holanda conseguiu que só lhe fosse atribuída a responsabilidade de vir a ter 14% de energia de origens renováveis, mas nos estudos encomendados pediu a avaliação da possibilidade de vir a ter mesmo os 20% da regra, o que requereria a instalação de 12000 MW (12 GW) de eólicas até 2020 - 4 GW em terra com uma utilização média de 25%, e 8 GW off-shore com uma utilização de 44%. Proporcionalmente aos consumos, isso equivaleria a 6400 MW em Portugal, mais que o valor planeado pelo nosso Governo, e que é de 5700 MW (o nosso Governo ofereceu-se estoicamente para exceder a quota definida pela verdura de Bruxelas, visto que Portugal já tinha hidroeléctricas, ao contrário da Holanda, e portanto não precisava de eólicas para cumprir os referidos 20%).
O consórcio da Universidade de Delft e a SIEMENS investigaram tudo como deve ser: séries temporais do vento baseadas em dados reais, previsões a longo prazo dos consumos, correlações com os trânsitos de energia nos países vizinhos e em particular com a Alemanha, e chegaram às seguintes conclusões:
- A partir de um valor de potência eólica de 7 GW (correspondentes a 3,3 GW em Portugal, um valor que já ultrapassámos este ano), haverá energia eólica em excesso - e o que nos aconteceu em Dezembro foi a confirmação empírica disto;
- A % de energia eólica em excesso irá aumentando até aos 12 MW. O gráfico anexo, retirado de um outro paper elaborado no mesmo estudo, mostra que ao se atingirem 10.9 GW, equivalentes à nossa meta nacional de 5.7 GW, 1/6 dessa energia estará em excesso e não pode ser utilizada no país!

Evidentemente, este excesso não resulta de 20% de energia eólica ultrapassarem os 100% de consumo, mas sim da natureza intermitente do vento, que ora produz pouco, ora produz em excesso.
O estudo averiguou diversas formas de resolver o problema da energia em excesso, mas defrontou-se com o facto de existir uma correlação de 0.71 entre os ventos na Holanda e os da Alemanha, o que impede a solução dinamarquesa de vender o excesso a esse país vizinho ou através dele (situação similar à nossa com Espanha). Entre outras soluções, uma das mais acarinhadas pelos académicos é a da "gestão de cargas" - isto é, obrigar os consumidores a transferir consumos das horas a que precisam de o fazer para as horas em que a rede tem energia em excesso.
Ideia que, como já expliquei, é o verdadeiro objectivo do grandioso projecto das "smart grids" de que o nosso MIT-Portugal tanto gosta e que o nosso Governo inscreveu no Orçamento de Estado deste ano como um dos seus grandes objectivos. Mas cá para mim, penso que para implementar tal propósito será precisa uma ditadura, ainda que vendida como um Admirável Mundo Novo!...
Quanto à Holanda, e graças a ter feito atempadamente este estudo, aposto que se vai ficar pelos 14% de renováveis comprometidos com Bruxelas, ou seja, pelos seus 8 GW de eólicas (que equivale, se tivéssemos o juízo deles, a parar imediatamente a instalação de eólicas no valor já atingido).
Tanto mais que estudos complementares encomendados a outras Universidades holandesas mostram que para atingir o referido objectivo o Governo terá de gastar uma média de 1500 milhões de € por ano (lá não escondem esses custos em obscuros défices tarifários; a subsidiação na Holanda não é à tarifa, mas sim com um valor fixo para a construção das eólicas, que depois têm de competir no mercado para vender a sua energia, como todos os outros produtores)...

terça-feira, janeiro 26, 2010

Quanta energia vão produzir todos os aproveitamentos hidroeléctricos planeados?

Notei, nos recentes debates sobre o Orçamento de Estado para 2010 e em diversas intervenções de responsáveis do Governo, que a planeada construção de um largo número de aproveitamentos hidroeléctricos passou a ser o eixo da política económica nacional.
Diz o 1º Ministro que a Energia é o eixo da sua aposta para o desenvolvimento económico, e na Energia a referida construção das hidroeléctricas é agora alegadamente o centro dessa estratégia.
Parece uma ideia consensual. Toda a gente acha bem que se aproveite a àgua da chuva, que é uma coisa limpa e renovável, e a construção das barragens parece algo capaz de criar muito emprego. Aliás, são anunciados muitos milhares de empregos, com essas barragens. E são também anunciados muitos MW de energia.
Infelizmente, tenho que vos dizer que vim aqui hoje fazer um bocadinho de "bota-abaixo". Se me quiserem seguir nos números, ficarão em condições de perceber porquê.

Tenho que começar por recordar que MW e energia não são a mesma coisa. Os MW são a capacidade de produzir energia de uma instalação, não a energia que ela efectivamente produz. Se eu fizer uma barragem de 1000 MW no deserto, terei "instalado" 1000 MW mas, obviamente, a energia que ela vai produzir será nula. Percebido? Então continuemos.
Se dermos uma vista de olhos nos números que acompanham a descrição dos 16 aproveitamentos hidroeléctricos em construção ou para construção próxima, constatamos o seguinte:
- Custo previsto: $4,85 mil milhões de €$;
- Potência média de origem hídrica:  +175 MW;
- Potência média de origem eólica (armazenada): 525 MW;
- Perdas estimáveis no processo de armazenagem da energia eólica: - 175 MW (em média);
- Saldo energético médio produzido (origem hídrica menos as perdas na armazenagem da energia eólica): ~0 MW.

Pois é, a resposta à pergunta do título é: zero! Não acreditam? Os dados estão todos no site da EDP, e se não sabem fazer contas de somar e subtrair peçam a alguém que saiba. Acho que o Governo conta com a vossa inumeracia...
Como é que eles vos enganam? Primeiro, falam em energia "bruta", que é a soma de toda a energia que sai das centrais independentemente da origem. E essa irá ser 175+525= 700 MW, em média. Vocês nem reparam na palavra "bruta" e, ao mesmo tempo, eles "esquecem-se" de explicar que para produzir os 525 MW de origem eólica as centrais terão de dispender primeiro, a bombar àgua para cima, 700 MW adquiridos à rede eléctrica, vindos... das eólicas.  A diferença entre estes 700 e os 525 devolvidos depois são as perdas do processo. Claro que se vocês subtrairem à tal energia eléctrica "bruta" produzida, a 700 MW em média, a consumida de que eles que se esquecem de falar, 700 MW em média, obtêm o saldo real das centrais, e é como vos digo: zero - se até não for menos...

Quanto aos milhares de empregos anunciados, como já notei aqui, são apenas durante o pico das obras durante os 4 anos de construção. Com uma diferença relativamente às barragens feitas até 1985: nesse tempo não havia imigrantes e a mão de obra da construção civil era portuguesa!...

Falta só acrescentar que ninguém teve em conta que quando fizer muito vento dias seguidos, no Inverno, também geralmente choverá muito dias seguidos, e não haverá espaço nas albufeiras para armazenar a energia eólica - como já se verificou este Inverno e ainda vamos só em 60% da quantidade de eólicas planeada pelo Governo...

sábado, janeiro 23, 2010

O pensamento único abre brechas!

Como sabem, há umas duas semanas dei aqui conta de como a convergência normal entre intenso vento e chuva copiosa em todo o território nacional levou à situação de termos as eólicas a produzir a plena potência e as hídricas também - e não termos onde meter essa energia. E daí a sua "oferta" a Espanha, que por sua vez a passou a França e por aí fora.


Este absurdo, resultante da política energética existente, tem passado ao largo do Pensamento Único, que continua na generalidade extasiado com a estratégia de quem nos governa nestas matérias. Mas não há machado que corte a raíz ao pensamento e hoje, finalmente, um dos baluartes da liberdade de Imprensa em Portugal dá notícia impressa do facto. Preza-me que seja o Expresso que o faça, porque já em 1973 este jornal era um dos dois cuja leitura era proibida em Caxias (o outro desapareceu há muito).
Claro que a notícia está correcta quanto aos factos mas errada quanto às causas que lhes aponta. A culpa do que tem acontecido não é do mau tempo. Do ponto de vista das energias eólica e hídrica, de facto, o mau tempo é o melhor tempo! Como se pode ver nos gráficos europeus que mostrei aqui, nos 3 meses de Inverno (25% do ano) as eólicas geram em média 35% da sua produção anual, mas nas horas de produção máxima geram o dobro no Inverno do que geram nas melhores horas de Verão!
Dizer que a culpa disto é do mau tempo é equivalente à culpabilização da cegonha pelo apagão nacional que ocorreu em 2000!

Um outro escrito impresso que o Expresso publica hoje e que é também uma brecha no Pensamento Único é o artigo de Todo Bom sobre as PME.
Cito dele as seguintes afirmações que contêm verdades lapidares (carregados meus):

"As economias sólidas apoiam-se em grandes empresas (GE) e não em PME. As PME são organizações complementares no preenchimento da malha industrial, ou transitórias no seu processo de crescimento para GE, onde ganham capacidades e recursos para poderem ser competitivas no mercado global.

...Este deslumbramento e obsessão nacional pelas PME é pouco saudável, assim como as declarações superficiais de que é necessário apoiar genericamente as PME.
Infelizmente, os estudos que têm sido produzidos e divulgados, incluindo os oriundos das associações empresarias, são de uma pobreza intelectual confrangedora em termos do seu suporte teórico.
Uma das suas fragilidades reside na ausência de análise matricial destas organizações em termos de tecnologias/mercados, de que resultariam recomendações de acções estruturantes diferenciadas.

...Acreditar que, na fase actual dos mercados, as PME portuguesas têm recursos suficientes, mesmo com apoios públicos, para desenvolverem com sucesso processos de investimento internacionais é pura ficção. Quando muito, poderão incrementar, marginalmente, as suas exportações.
... não se conhece nenhum programa, com a intervenção obrigatória das sociedades de capital de risco com fundos públicos, desenhado para o apoio às acções de fusão, concentração e reorganização sectorial de PME no sentido do seu crescimento e incremento de competitividade".

As PME são uma bandeira tanto da Oposição como do Governo, e tudo o que Todo Bom escreve sobre elas se aplica à grande ideia que agora assola as nossas Universidades segundo a qual a "Transferência de Conhecimento" recentemente arvorada como um objectivo a perseguir se mede pelo número de "start-ups" engendradas.
Na verdade, as "start-ups" tecnológicas só terão algum impacto sócio-económico se a sua actividade se articular com a das grandes empresas, como o há muito esquecido "relatório Porter" preconizava nos anos 90 com a sua ideia dos "clusters" e das ligações em "diamante".
Quando, por exemplo, em 1993 acordei com a nossa maior empresa nacional fabricante de material eléctrico o projecto de desenvolvimento de uma nova linha de produtos (protecções digitais), na verdade não era nessa linha de produtos que essa empresa estava interessada. No que estava interessada era na manutenção da competitividade de uma outra linha de produtos muito mais importante para ela (SCADA), que por sua vez era a peça essencial de uma estratégia lançada dez anos antes para a manutenção da competitividade dos produtos tradicionais da empresa. A tal referida nova linha de produtos que desenvolvi poderá não ter criado mais que uma dezena de empregos, mas ajudou a manter outras largas centenas!
Isto são factos mais que sabidos de quem, por exemplo, leia a IEEE Transactions on Management!
É por isso que o ardente entusiasmo da política tecnológica que guia as nossas Universidades e que agora descobriu as "start-up" tecnológicas é o contrário do que parece. É, de facto, a desistência da procura de laços com a sociedade e a economia reais, a desistência da procura dos problemas reais das empresas existentes e da humilde adaptação da I&D às suas necessidades. É a resoluta adopção da velha átitude da torre de marfim, agora travestida de "transferência de conhecimentos" para empresas que na verdade não existem: são meros arranjos de oportunidade copiosamente subsidiados por fundos públicos que nunca irão a parte nenhuma!
Exactamente como os grupos de estudantes maoístas que, há 40 anos, achavam ter descoberto a verdade revolucionária e decidiam promover a revolução proletária sem nunca sair da Universidade!

quarta-feira, janeiro 20, 2010

Soluções à procura de problemas

Hoje e com o patrocínio do Professor Carlos Fiolhais de Coimbra, tive um post publicado no Rerum Natura. Sobre a mentalidade típica do nosso Investigador e a culpa do Estado nisso.

Numa crónica de Julho passado num jornal diário, Pacheco Pereira recordava como, nos seus tempos de estudante universitário de Filosofia há 40 anos, era regra os Professores ensinarem o que lhes interessava pessoalmente e até, em particular, o que tinham investigado longamente nos seus doutoramentos, com pouca ligação com o que faria sentido do ponto de vista de uma licenciatura coerente.


Não pude deixar de sorrir ao ler isso porque essa situação é também uma tendência nas tecnologias. Não é assim em todas as escolas, não era assim no tempo de estudante de Pacheco Pereira, e mesmo ultimamente a coisa melhorou com a maturação do corpo docente, mas há uns anos nas engenharias também era vulgar um recém-doutorado criar pelo menos uma disciplina de opção sobre o tema que investigara e, em alguns casos, criar até especialidades inteiras de Mestrado e mesmo licenciaturas. A multiplicação de cursos basicamente similares resultou dessa proliferação de doutorados, todos à procura do seu "espaço" próprio, assumida pelas estratégias de algumas escolas.

Como disse, nos últimos anos a coisa melhorou, mas há um domínio em que esse subjectivismo persiste e tem cura difícil: o dos temas de investigação.


É frequente o recém-doutorado, sobretudo se o seu doutoramento foi um desses tradicionais "à francesa" que o ocupou 6 anos a investigar um assunto muito especializado, quase tudo sobre quase nada, como ironizam alguns, enquanto ia esquecendo o resto que aprendera, é frequente, dizia, continuar a investigar o mesmo tema depois do doutoramento, concorrendo a subsídios e fundos públicos ou europeus por muitos anos.
E, quando confrontado com o reparo de que deve procurar ligações à sociedade, aí vai ele à procura de problemas a que possa aplicar os temas que conhece e em que deseja continuar a publicar, dada a importação do lema americano do publish or perish. E muitas vezes conclui que a tal sociedade é atrasada e não o merece, visto não apresentar nenhum problema para a solução que ele domina e que lhe parece evidente ser o centro do mundo. E, se quando fez o doutoramento não era já docente universitário, vira-se para o Estado e exige-lhe emprego.


Claro que é possível inverter os termos deste binómio solução-problemas. Mas para isso é preciso que o Estado que financia os doutoramentos incorpore as entidades empregadoras na própria definição dos seus temas.
Há muitos países avançados onde o Estado só financia investigações universitárias em tecnologia se houver comparticipação empresarial nesses financiamentos. Claro que para tal é preciso que as empresas (privadas e públicas) tenham estratégias tecnológicas, e para ter estratégia tecnológica é precisa segurança financeira, sem o que uma empresa vive obcecada pelas vendas e compromissos de pagamentos, a prazo não superior a um ou dois anos; e é preciso que, se for pública, não viva apenas para fazer boa figura perante a tutela governativa, que tem um ciclo de vida não superior ao ciclo eleitoral.
Ora nenhum desenvolvimento tecnológico leva tão pouco tempo a criar e a chegar a frutos, a não ser que consista na simples compra "chaves na mão" de algo feito lá fora, para eleitor ver...

Mas, também nas áreas não-tecnológicas o Estado pode promover uma maior ligação entre os temas de Investigação e as necessidades sociais.
Porque há-de o Estado português financiar bolsas de doutoramento em História sobre a representação material da realeza assíria, por exemplo, quando não temos nenhuma base de conhecimento particular nem interesses estratégicos no Iraque, e deixar a outros a investigação histórica sobre a formação das cidades angolanas, coisa que devia interessar ao nosso Ministério de Negócios Estrangeiros (nos EUA é a CIA quem muitas vezes apoia essas investigações)? Ou porque não se relacionam os doutoramentos em Sociologia às necessidades de integração das minorias étnicas imigrantes, com o apoio das Câmaras Municipais, como nos EUA? Ou ainda, voltando de novo à tecnologia, porque não disponibiliza o Ministério da Defesa uma pequena percentagem do seu orçamento para, em conjunto com as empresas nacionais, os nossos brilhantes académicos de Automação e Robótica que vivem nuns EUA virtuais terem algo de útil com que se ocupar, como por exemplo o desenvolvimento de um drone português?


Tenho um colega mais novo que se doutorou nos EUA há uns anos sobre a aplicação da teoria dos jogos e em particular dos conceitos de Nash à formação de preços em mercados competitivos de energia. O projecto era financiado por uma entidade interessada, e provavelmente a primeira em que pensarão será numa qualquer petrolífera. Mas não. Quem financiava esse projecto era o equivalente ao nosso Ministério Público, que queria ter meios para a detecção de fenómenos de cartelização na referida formação de preços. Imaginem termos também um Ministério Público assim...

terça-feira, janeiro 19, 2010

Correlação entre vento e chuva e soluções à procura de problemas

Já houve quem tivesse notado que há uma estreita correlação entre o vento e o "inflow" de água da chuva nas albufeiras com bombagem, e que isso "limita a possibilidade do uso destas para armazenamento". Não foi foi nenhum académico!
De facto quase sempre os trabalhos académicos estão centrados na investigação de um qualquer novo método teórico e não na caracterização fidedigna do problema a tratar. Ou, como já notei em tempos, em regra os académicos têm uma solução que anda à procura de problemas, enquanto na vida real as coisas requerem o contrário.

Sintoma do nosso sub-desenvolvimento terceiro-mundista é os nossos políticos desconhecerem isto e deixarem-se entusiasmar com as fantasias dos académicos, que por sua vez se entusiasmam frquentemente com políticas totalmente irrealistas.

segunda-feira, janeiro 18, 2010

O futuro nuclear - um devaneio em jeito de nota

Um colega por quem tenho grande estima manifestou-me recentemente algum cepticismo quanto ao futuro do nuclear, evocando a suposta miragem da fusão nuclear como exemplo.
Gostaria, por isso, de notar que há diferentes estádios de experiência demonstrada nestas tecnologias, e portanto nas janelas temporais em causa.
A cisão dos átomos de Urânio 235 é usada em reactores industriais há 54 anos!...
Presentemente (desde 1996) está-se na 3ª geração de centrais deste tipo, que se distinguem das anteriores basicamente pelo aperfeiçoamento construtivo - especialmente quanto a segurança.
A transmutação do 138 vezes mais abundante Urânio 238  em Plutónio, e a cisão dos átomos deste, é a base das centrais de 4ª geração. A sua disponibilidade comercial é prevista para dentro de 20 anos, mas este atraso não decorre de haver algum problema técnico por resolver, dado que já houve várias grandes centrais prototípicas em funcionamento, nomeadamente no Japão e em França, e há ainda uma na Rússia. Os problemas que existem respeitam à fiabilidade a longo prazo das centrais e à questão da possível proliferação do Plutónio que geram e que consomem. E é isto que se espera que leve 20 anos a resolver, mas é um prazo que depende muito do empenho que a comunidade internacional colocar no projecto.
A fusão nuclear controlada, pelo contrário, é algo que ainda tem problemas sem solução técnica provada. Há um grande projecto internacional que já escolheu a França para recipiente da primeira instalação prototípica de grande potência (e de que a figura mostra o aspecto geral), mas a construção dessa central está demorada. Talvez lá para 2020 esteja pronta, mas daí até ser possível industrializar esse tipo de centrais para a produção de energia várias décadas deverão passar.
No entanto, gostaria de partilhar convosco um devaneio meu: supondo que o ITER começa a funcionar em 2020, que em 2040 o confinamento dos plasmas quentes está dominado para aplicação industrial e que portanto se começam a construir centrais de fusão, gostaria de devanear com a possibilidade de, uns 50 anos depois, lá para o fim do século, a fusão nuclear de outros materiais além do Hidrogénio já ser possivel de forma controlada.
E então, por volta de 2100, poder-se-ão construir as primeiras grandes naves interestelares que nos poderão levar aos exoplanetas de que na altura já se conhecerão muitos de tipo terrestre, e em que cada viagem levará (para os que nela forem) basicamente sempre 2 anos: 1 para acelerar até perto da velocidade da luz, e outro para a desaceleração subsequente.

Obviamente, isso requer uma energia que só reactores de fusão nuclear, eventualmente alimentados pela própria poeira do espaço, poderão produzir.
Isto, naturalmente, se não nos aniquilarmos mutuamente nem regredirmos a uma nova Idade Média, entretanto.

sábado, janeiro 16, 2010

Ainda uma nota sobre o absurdo eólico

Um comentador irado com o que tenho revelado sobre o facto do excesso de vento ser concomitante com a chuva intensa, o que inviabiliza a ideia da armazenagem hidroeléctrica, escreveu-me a dizer que só chove assim poucas semanas por ano.
Ora isso é verdade. Mas também o é que só faz vento de jeito poucas semanas por ano, e que isso coincide com as semanas de chuva intensa. Com uma correlação metereológica de 98%!
Os gráficos que junto são tirados de uma Agência europeia financiada pela própria UE.

O primeiro gráfico mostra a quantidade de horas que as eólicas funcionam a uma dada % da sua capacidade ao longo do ano, para uma utilização média da sua capacidade de 1/4 (25%), que é o que se verifica na Dinamarca e também em Portugal.


O segundo gráfico mostra como essa produção se distribui ao longo do ano (valores escandinavos). É evidente que a produção eólica é muito maior no Inverno que no Verão, e isso é um facto tão bem conhecido que os EUA, por exemplo, o têm estado a considerar nos estudos lá feitos, dado que a ponta de consumo deles (como a nossa) é no Verão, mas o da produção eólica é no Inverno - e eles não têm a alta % de produção hidroeléctica que nós temos, a qual tem um padrão sazonal de produção ainda mais acentuadamente invernal.
Em Portugal, por exemplo e segundo dados da REN, em 2008 o mês de menor produção eólica foi Setembro, e o da maior foi Dezembro (2,5 vezes a de Setembro), o que confirma a distribuição sazonal normal em todo o Mundo.

Vi há pouco um interessante debate na SIC, no programa "Expresso da Meia Noite". E nele, um Prof. da Universidade Católica que até desconheço, João Confraria, disse o que me parece óbvio: o Estado precisa de estruturas de apoio técnico para o estudo e planeamento destas coisas, que não existem. Aliás, também disse outra coisa antes que subscrevo: a própria menção ao "interesse nacional" parece que passou a ser pecado!...

sexta-feira, janeiro 15, 2010

A carteira completa de opções tecnológicas para a redução das emissões de CO2

Já aqui há meses referi que o EPRI (Electric Power Research Institute), a super-estrutura norte-americana das empresas de electricidade para a Investigação & Desenvolvimento, tinha feito um estudo sobre as consequências de se limitarem as opções tecnológicas para a produção de energia às renováveis, ou não.
Na altura, o EPRI só permitia o acesso público ao resumo do estudo. Porém, e provavelmente devido á enorme importância política do assunto, o EPRI disponibilizou agora a toda a gente o relatório completo.
É importante perceber o que diz o EPRI, numa altura em que está em curso no país - e um pouco por todo o lado lá fora - uma enorme corrida às licenças de construção de novas centrais de ciclo combinado a gás natural. Com a depressão económica em curso e o aperto dos Governos para reduzirem os défices gerados pela crise, por todo o lado a subsidiação das renováveis esmorece, e com ela voltam as regras do mercado.
Ora considerando que as reservas mundiais de gás natural já davam para 63 anos, ao ritmo de exploração do início de 2009, e que durante este ano se comprovou a eficácia das novas técnicas de extracção do gás natural dos xistos subterrâneos, o que de repente aumentou em de 20 a 40% as reservas mundiais de gás com exploração rentável (uma das grandes inovações do ano em matéria energética, segundo o MIT), a tentação de assentar todo o crescimento da produção futura de electricidade nesta fonte energética é muito grande. Vamos lá a ver se há alguém que na UE cumpre o objectivo de redução das emissões em 20%, com esta tentação - ou se o que haverá mesmo é nenhuma redução, como até aqui!
De facto, uma central de ciclo combinado emite cerca de 1/3 do CO2 da de uma a carvão, para o mesmo kWh. Mas, sobretudo, requer um investimento mínimo e tem uma construção rápida, o que é muito tentador para o investidor privado que não tem uma lógica de longo prazo.
E é mesmo sobre isso que o EPRI nos avisa.
Se assentarmos a produção de energia no gás e desistirmos da aposta no desenvolvimento das tecnologias que requerem mais tempo e investimento, como o nuclear e o carvão com aprisionamento do carbono, lá para 2050 teremos a energia a um preço tremendo!
No cenário de deixar as coisas correrem, teremos a redução rápida do uso do carvão e a gradual do do nuclear, e não serão as renováveis que os substituirão (aparte as eólicas, que têm um "share" garantido), mas sim o gás natural - que é o que já está a acontecer por cá. Até que a necessidade de redução das emissões de CO2 e o aumento dos preoços do gás levarão ao crescimento da "gestão da procura", que será o principal meio, a longo prazo, da resolução do problema. Gestão da procura que significa, é bom de ver, o quase-regresso à Idade Média energética...
E o gráfico seguinte, com a previsão da evolução do preço para as duas opções, mostra porquê. Mas, além desta subida de preços, a opção limitada (excluinte do nuclear e do carvão limpo) levará forçosamente também a uma situação final com muito maiores emissões de CO2...!
Por cá, as duas centrais de ciclo combinado a gás natural a quem foram concedidas licenças (Galp em Sines e Iberdrola), a adicionar às outras duas que já entraram em funcionamento em 2009 (EDP em Lares) e vão entrar em 2010 (Siemens/Endesa no Pego), aponta para a aposta habitual de sacrificar o futuro. Além de que, sinceramente, tenho pena que sejam estrangeiros metade dos investidores que vêm mamar esta vaca-leiteira...

quinta-feira, janeiro 14, 2010

A culpa é da liberalização. Ou não?

A propósito do "absurdo eólico" para que tenho vindo a chamar a atenção, em que temos produção a mais sem ter onde a meter e a temos que deitar fora, fiz uma pesquisa aos papers mais recentes que pudessem ter sido publicados sobre o assunto internacionalmente, e falei com um colega muito sabedor.
Encontrei um único paper, já publicado este ano, que se lembra do problema do dimensionamento do reservatório da barragem, ou seja, da sua capacidade em energia armazenável, e não apenas em potência bombável ou turbinável. Mas mesmo este paper, publicado na melhor revista mundial do assunto e que por sinal é português (de alguém que tem estado envolvido no nosso grandioso pioneirismo eólico), mesmo este paper se esquece de considerar o efeito acumulado ao longo de vários dias da chuva e do vento e simplifica o problema evitando tratar a sua aleatoriedade - aliás e de facto, não trata do efeito cumulativo da chuva e da bombagem no enchimento das albufeiras. Aliás, não trata da chuva, sequer. É, portanto, um típico paper académico, mas já é um começo...
Entretanto, lembrei-me que em tempos, antes de aparecerem as eólicas, houve na antecessora da REN alguns engenheiros de grande qualidade que sabiam muito do assunto e, em particular, conheciam bem os nossos regimes hidrológicos. E tentei saber que era feito deles. Pois estão em funções meritórias, mas grupos de estudos com engenheiros desses é que já não há!
E porquê? Porque se raciocinou que, com a liberalização do mercado de energia, deixava de fazer sentido planificar o sistema energético e que os equilíbrios seriam conseguidos pelo simples jogo do mercado. O quer seria bom, porque o planeamento tolhia a inovação e a concorrência, pelo contrário, levaria sempre às melhores soluções.
Temos então que a presente situação resulta dessa liberalização dos mercados?
Bem, se os mercados energéticos fossem realmente livres e, portanto, geridos pelos interesses privados em competição, o que provavelmente teríamos era toda a nova produção energética a ser feita por centrais de ciclo combinado a gás natural! Não seria uma solução de longo prazo, mas ao menos a electricidade seria relativamente barata e sem défice tarifário.
Mas não é isso que temos.
O que temos é um sistema energético regido pelos ditames políticos de Bruxelas relativamente à redução das emissões de CO2, o que leva a subsidiar e a priveligiar as caríssimas energias renováveis e à presente situação!
O que de facto temos, não é um fruto da liberalização energética. É o fruto de um sistema definido por critérios estritamente políticos, mas sem o antigo planeamento nacional...
Ou seja, temos o pior dos dois mundos!
Ah, mas o tal paper de que falei atrás considera uma ideia interessante para quando tivermos as hídricas com capacidade reversível (mas sem capacidade de armazenamento) e que evita a vergonha de termos de doar a Espanha o excesso de energia eólica: as futuras hídricas poderão bombar a água para dar consumo eléctrico às eólicas e manter a rede estável, e ao mesmo tempo abrir as comportas de segurança ao lado para deixar a água sair (sem ser turbinada) antes que as albufeiras transbordem.
Lindo! A capacidade de inovação portuguesa tem realmente progredido muito, nos últimos anos...!

quarta-feira, janeiro 13, 2010

Demonstração gráfica do absurdo eólico - Actualizado

Há dias, fiz aqui a demonstração gráfica do absurdo eólico, mostrando como temos "exportado" (por não termos onde a meter, dado as barragens estarem cheias de água da chuva) energia eólica em quantidades de muitos GWh diários, a preço... ZERO!
Isto, claro, enquanto ao mesmo tempo pagamos essa energia aos produtores eólicos a 9 ç/kWh, e não foram previstos nem regulamentos nem meios técnicos que permitam desligar essas "ventoinhas".
Pois não é que o nosso 1º Ministro, 2 dias depois, manifestou uma exfusiante alegria com esta situação?
Tirem-me daqui!!!
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Tenho vindo a referir, recentemente, o absurdo que constitui este excesso de produção eólica que já temos hoje em dia, e como o investimento em "reforços de potência" (de bombagem) hidroeléctrica poderá não resolver nada, quando faz vento, chove muito, e a temperatura é amena.  Os gráficos seguintes de exploração da nossa rede do passado dia 3 demonstra-o.

O primeiro diagrama mostra como o consumo (linha a preto grosso) é inferior à soma da produção hidroeléctrica (azul) e da produção independente e não desligável (a verde), pela madrugada.
Pode-se também ver que não foi possível fazer bombagem de água porque as albufeiras já estavam cheias e tinham que despejar a água da chuva.
O segundo diagrama mostra como se decompõe a produção independente, sendo evidente a extrema irregularidade da eólica; ela atinge 2500 MW entre as 8 e as 12 horas, para às 18 horas já ter caído para cerca de apenas 1000 MW.
Ao mesmo tempo, vê-se no diagrama de produção hidroeléctrica que, apesar daquele excesso de vento, não foi possível reduzir o trabalho das hídricas, sinal de que as respectivas albufeiras já estavam cheias e, portanto, incapazes de reter ou armazenar mais água.

O quarto diagrama mostra que de madrugada se reduziu a produção térmica ao mínimo, com um só dos 4 grupos de Sines a trabalhar e nenhuma central de ciclo combinado, mas mesmo assim se teve de exportar o excesso de produção eólica, por não haver onde a meter.
Pelas 4 da madrugada, a hora de menor consumo, chegaram a exportar-se mais de 1500 MW, eda meia-noite ao meio dia sempre à volta de 1000 MW, todos de origem eólica.

Finalmente, o último diagrama mostra o preço conseguido nesta exportação entre as 3 e as 11 da manhã: ZERO! E o máximo preço, 8 ç/kWh, foi atingido pelas 22 horas, quando por azar o vento decaiu e tivemos de importar!...


Isto resulta, evidentemente, de já termos potência eólica instalada em excesso e de nada ter sido previsto técnica e regulamentarmente para a poder reduzir, sendo o país obrigado a pagá-la ao produtor à volta de 9 ç/kwh para a ter de deitar literalmente fora!
E, como se pode ver pelo diagrama de produção hidroeléctrica, não é o "reforço de potência" que vai resolver as coisas: para as resolver precisávamos de albufeiras muito maiores, o que é obviamente inviável!
E só vamos ainda em cerca de 3800 MW de potência eólica instalada! Imagine-se o que será quando tivermos os 5600 MW previstos pelo Governo para 2012...! E mais o solar, e mais o eólico off-shore...!
Não é por serem pouco arrojados e nós sermos a "vanguarda" que nenhum país tem mais que 20% de produção eólica, e esse país é a Dinamarca, que praticamente não tem conflitos com a energia hídrica. É porque os outros países fazem estudos de planeamento, antes de avançarem com ideias destas. E nós, é como se vê.

terça-feira, janeiro 12, 2010

Uma central nuclear em Portugal? Iniciemos a discussão! II - necessidade, custos, riscos e medidas urgentes

Na parte I deste deste pontapé de partida na discussão da opção nuclear em Portugal, procurei reunir alguns dados sobre a matéria que são informação básica, mas que convém alinhar para se saber minimamente de que se está a falar.

O resumo dessa parte I pode ser feito assim:
a) A energia nuclear é vulgar e usada há mais de 50 anos, para a produção de energia eléctrica;
b) Está em início um "renascimento" do nuclear que vai inscrever-se numa divisão mundial de produções e mercados, detonada pelas negociações climáticas, em que a tecnologia nuclear será a aposta estratégica principal dos EUA, França e Japão, que cederão a liderança das tecnologias de energias renováveis aos países com menos recursos tecnológicos e industriais;
c) As novas centrais nucleares actuais de 3ª geração são seguras e resolveram os riscos das antigas, concebidas há mais de 30 anos;
d) Os resíduos são um problema, mas nada que não seja manejável, dado o seu pequeno volume;
e) A um prazo de 20 anos estarão no mercado as centrais de 4ª geração, presentemente em estudo cooperativo internacional mas de que já houve e há protótipos, as quais terminarão com os problemas de aprovisionamento de Urânio e com o dos resíduos.

Ainda relativamente aos resíduos, vale a pena mencionar que está em curso nos EUA um estudo pelo MIT desse problema à escala global, em que se considera que, a virem a enterrar-se os resíduos radioactivos das centrais, isso deveria ser planeado para todo o planeta, com alguns locais a serem partilhados - o que sugere a hipótese do jazigo desenvolvido na Finlândia poder vir a ter parcelas vendidas a outros países.
Porém, de momento, a opção preferida pelo MIT é simplesmente a de guardar os resíduos nas próprias centrais, em caves, por umas décadas, na expectativa do desenvolvimento das centrais de 4ª geração. É que uma vez estas em operação corrente, dentro de algumas décadas, os resíduos das centrais actuais servirão como combustível dessas, passando de lixo a eliminar a valioso recurso a preservar... e, por isso, o já antigo e dispendioso projecto americano de enterramento dos resíduos nas montanhas de Yucca do Nevada foi definitivamente cancelado há meses pelo Presidente Obama, com a concordância geral.
  • Mas teremos nós necessidade de mais centrais termoeléctricas?
Uma rede eléctrica bem planeada tem um mix de fontes energéticas de natureza diferente e complementar. Este planeamento difere conforme seja feito em nome do interesse público, ou em nome apenas dos interesses de investidores privados.
Sendo feita em nome do interesse público, e em particular em Estados independentes, a rede terá fontes renováveis, se estas forem minimamente rentáveis, por assentarem nos recursos naturais do país. Foi por isso que de 1950 a 1980, em Portugal e como já recordei, se assentou o arranque da nossa industrialização e da electrificação que a suportou em hidroeléctricas, visto Portugal ter a sorte de nele desaguarem a maior parte dos rios da península ibérica.
Durante 30 anos a maioria da nossa energia eléctrica foi de origem renovável nacional, não só quanto aos rios como quanto à engenharia e à construção das barragens, mas mesmo nessa altura já havia um mix: a maioria das barragens não tinha capacidade de armazenamento (ditas de "fio de água"), eram baratas mas só trabalhavam quando corria água nos rios, e havia um certo número com albufeiras, mais caras, que guardavam a água para o Verão, quando havia falta dela.
Porém, isso era suficiente quando éramos um país que andava de burro e usava candeeiros a petróleo (nas aldeias)  e o nosso consumo de electricidade era apenas 1/6 do actual! Esgotados praticamente os recursos energéticos de origem hídrica, teve de se começar a instalar centrais termoeléctricas, tendo-se nos anos 70 planeado, e muito bem, que o carvão era a opção mais barata e segura. É certo que se vão agora construir mais 2+8 barragens e "reforçar a potência instalada" de outras mas, como já mostrei, a energia propriamente dita que vão produzir, de origem hídrica, é insignificante - uns meros 220 MW em média, 3.8% do actual consumo, para um colossal investimento de 5 biliões de !...
O problema novo que surgiu foi o protocolo de Kioto, na década de 90, e o correspondente bloqueio ao carvão devido às suas grandes emissões de CO2! Isso e a liberalização dos mercados energéticos, que levou ao retraimento de grandes investimentos em centrais "pesadas" por aí precisarem de muito tempo para serem recuperados, como explicarei melhor adiante. Ora desde então o consumo de electricidade português aumentou 50%, como todo o consumo, e portanto optou-se por uma fonte energética "descarbonizada": a eólica. Que, por grande coincidência, atingira a maturidade tecnológica nos países europeus que tinham sido precisamente os grandes campeões de Kioto, em particular a Alemanha, de onde importamos a maioria dessas turbinas eólicas!...
Além disso, desde os anos 90 nunca mais houve planeamento técnica e economicamente fundamentado em Portugal, como as coisas ilustram.
A energia eólica, porém, e apesar do investimento total já feito de cerca de 4.75 biliões de , apenas satisfez metade deste crescimento do consumo pós-Kioto. O resto foi coberto importando (o que antes só fazíamos ocasionalmente), e sobretudo com novas centrais... termoeléctricas, mas a gás natural em vez do carvão!
No território nacional ainda haverá muitos montes com vento razoável para aerogeradores, mas acontece que a energia eólica sofre de um duplo problema de intermitência: varia muito durante o dia (em geral é máxima de madrugada), e também durante o ano (é máxima no Inverno). A Espanha, que tem uma proporção de eólica similar à nossa, já decidiu parar o seu crescimento, e nós por cá temos a situação que ultimamente se manifestou: temos de deitar fora o excesso de energia eólica por não termos onde a meter!
Pode ser que os projectados "reforços de potência" das hidroeléctricas resolvam parte da situação actual, mas garantidamente não a resolverá se se continuar a instalar potência eólica até aos valores previstos pelo Governo, de mais 50% do que a que já temos. E não a resolverá porque, como a experiência deste Inverno demonstra, o máximo dos ventos coincide com o das chuvas (com uma correlação de 98%), e portanto de pouco serve aumentar a capacidade de turbinar das barragens e torná-las reversíveis, que ao fim de poucas semanas de Inverno húmido (e portanto também ventoso) as albufeiras estarão cheias e sem capacidade de armazenamento. E aumentar as albufeiras está fora de causa, quer pelo custo, quer pelo impacto ambiental que isso teria. [E a propósito para os colegas académicos: este tema dá para fazer n papers, porque que eu saiba ninguém ainda publicou sobre esta realidade...].

Temos assim que a situação actual é a de um consumo de electricidade de aproximadamente 5700 +/- 2700 MW, 3000 MW no vazio da madrugada, 8500 MW na ponta (que já atingiu 9000, mas muito raramente). E que este consumo pode ser presentemente satisfeito, em média, com 16% de energia eólica ajudada pelas hidroeléctricas reversíveis, 22% de energia hídrica (o que soma 38% de energia renovável), 55% proveniente de termoeléctricas (carvão, sobretudo gás natural, mas também cogeração) e 7% de importação. Com as novas hidroeléctricas em construção, estas percentagens subirão para 41-42% de vento+água, permitindo reduzir as importações para 3.5%, se o consumo não aumentar. Isto em ano médio de chuva e vento, sendo que a produção de origem renovável varia muito de ano para ano.
E como crescerão os consumos?
Em Portugal têm crescido cerca de 1.5% acima do crescimento do PIB. Supondo inalteração do padrão de consumo e um difícil crescimento económico anual de 1% do PIB até 2020, temos que dentro de 10 anos o consumo terá crescido para 128% do actual. E depois disso talvez nos aproximemos da média de crescimento médio anual da UE, o que nos levará dentro de 20 anos a 150% do actual consumo.
É verdade que   os ecotópicos encarniçados argumentam que falta considerar o aumento de eficiência energética, a economia de consumos, o efeito das "smart grid" na redução de consumos e a micro-geração, etc, mas isso não acontecerá, a menos que se estabeleça uma ditadura política. Em Portugal passa-se um frio desgraçado nas casas e sobretudo nas escolas e nos centros comerciais e a iluminação é geralmente sofrível, de modo que não há margem para poupar nos consumos, como um dia destes desenvolverei com mais rigor. O mais que se pode admitir é alguma economia devida à substituição das lâmpadas incandescentes e dos frigoríficos, no máximo 5%; isto não são os EUA, que consomem per capita o dobro da média europeia e onde há, de facto, muito desperdício que a tecnologia poderá poupar sem dor!
E quanto à micro-geração estamos conversados.

Entretanto, existem 2 centrais termoeléctricas de combustível fóssil novas a entrar em funcionamento e que permitem garantir as necessidades urgentes dos próximos anos: de ciclo combinado, a gás natural. São de 860 MW (Lares, da EDP, acabada de inaugurar) e de 830 MW (Pego, da Siemens e da Endesa) e, como se lhes prevê uma utilização média a 53%, acrescentarão cerca de 900 MW em média ao mix nacional, satisfazendo 15% do consumo e eliminando a necessidade de importações por uns anos. Mas têm três problemas:
1) as centrais em si são baratas, mas o gás natural, que nos vem em pipelines da Argélia através da Espanha e também de barco da Nigéria, tem o seu preço indexado ao petróleo, pelo que a tendência é para subir, nos próximos anos;
2) as reservas mundiais de gás natural dão para mais alguns anos que as de petróleo, mas com o aumento explosivo do seu consumo que está a ocorrer por todo o lado, esses anos são umas décadas, quiçá 60 anos. E depois?
2) poluem. Menos que as a carvão, mas com elas as emissões de CO2 aumentarão, à medida que tiverem um uso crescente. Pelo que não resolvem o problema da redução de emissões e, pelo contrário, agravá-lo-ão.

Fazendo um balanço da situação, mesmo admitindo uma redução de 5% de consumos optimizáveis (basicamente nas lâmpadas incandescentes e electrodomésticos), dentro de 10 anos Portugal precisará no mínimo de +550 MW em média anual, e dentro de 20 anos de +1250 MW. No mínimo. E não falei ainda do carro eléctrico: se ele efectivamente começar a ser comercializado em série dentro de 10 anos, daqui a 20 teremos o grosso do parque automóvel substituído, o que, como já mostrei há meses, requerá +800 MW médios, pelo menos.
Entretanto, até 2020 a já velha Central a carvão de Sines será desclassificada e irá para a sucata, não sendo viável a disponibilidade até essa data (daqui a 7-10 anos) de soluções experimentadas com captura e sequestro do carbono, o que significará para a rede -950 MW médios anuais.
Ou seja e como ordem de grandeza, precisaremos de +1500 MW médios anuais dentro de 10 anos e, além destes, de + 2000 MW dentro de 20 anos.
Evidentemente, como deve ter ficado claro, isso não poderá ser satisfeito com energias renováveis, por não haver maneira de lidar com a sua intermitência para além dos valores de vento e água que já usamos. E o solar terá um problema similar ainda mais agravado - e nem estou a falar de questões económicas, mas apenas técnicas!

Do ponto de vista técnico, de que tipo de central precisaremos para o mix, de modo a se poder ter uma rede bem gerida e sem os problemas actuais?
Em 1º lugar uma central que substitua a de Sines, que é de base (funcionamento quase permanente), e em 2º lugar capacidade de satisfazer a ponta. E uma reserva que permita lidar com a variabilidade anual da chuva e do vento. Em qualquer dos casos produção termoeléctrica, a única que permite satisfazer a procura quando ela se manifesta.

A necessidade de +1500 MW médios a um prazo de 10 anos pode tecnicamente ser satisfeita com um grupo electroprodutor nuclear, e também o pode com centrais de ciclo combinado a gás natural.  Mas dez anos é pouco tempo para se preparar tudo o que é preciso para a defesa dos interesses nacionais nesta questão, como discutirei mais adiante. Antes, porém, vejamos a questão da competitividade económica do nuclear e dos efeitos económicos multiplicadores que pode ou não ter.
  • Condições para a competitividade económica da opção nuclear em Portugal
Num post de há meses efectuei um cálculo dos custos de produção do kWh oriundo de diversas fontes de energia, e de que recordo aqui alguns:
  • Solar fotovoltaico: 25 ç;
  • Eólica marítima: 11 ç;
  • Eólicas em terra: 8,65 ç (sem consideração do custo adicional de armazenagem hídrica);
  • Ciclo combinado actual: 6,8 ç;
  • Nuclear: 4,2 ç.
Como se pode ver, os custos do kWh nuclear e de gás natural são bastante diferentes, mas como são as únicas opções em alternativa, vale a pena tentar afinar este cálculo e ver o que os pode fazer variar.

As centrais de ciclo combinado a gás natural traduzem um grande progresso tecnológico ocorrido desde os anos 80, com um rendimento termodinâmico imbatível - da ordem dos 57%, contra os 35% usuais das centrais a vapor e que podem ir, no máximo, a 45%. Além disso são muito baratas, comparativamente, e de construção rápida (2 anos).
As duas centrais portuguesas recentes que referi ficaram por 475 €/kW no caso da da EDP, e 360 €/kW no caso da da Siemens/Endesa, que aproveita o recinto da central a carvão da Siemens já existente no Pego para poupar terrenos e outras infra-estruturas. Ou seja, e dadas as suas potências, terão custado 0,41 e 0,30 biliões de , respectivamente.
Com um tempo de vida estimado de 25 anos e uma utilização anual de 50%, os custos de investimento por kWh produzido são muito baixos e os lucros excelentes, e é isso que as torna tão interessantes aos investidores privados, o que merece a compreensão do actual Governo! Com efeito, quando foi anunciada pelo Governo a disponibilidade de licenças para a construção de centrais destas, candidataram-se nada menos de 8 consórcios!...
O grosso do custo do kWh produzido pelas centrais a gás não vem, de facto, do investimento. Vem do custo do gás natural.
Esse custo do kWh tem sido estudado, para as condições portuguesas, e assumindo uma taxa de juro de 8% para o investimento, a amortizar em 20 anos, com uma utilização média de 53% destas centrais como se tem verificado, têm-se as seguintes parcelas:
- custo de investimento: 0,93 - 1,23 ç/kWh (o menor é para centrais como a da Siemens);
- custo de Operação e Manutenção: 0,5 - 1,0 ç/kWh;
- multa pelo CO2 emitido: 0,7 ç/kWh (a 20 € /ton. de CO2);
- custo do gás natural: 3,57-3,88 ç/kWh (preços 2010, rendimentos de 55-58%).
Total: 5,7 - 6,8 ç/kWh (valor médio: 6.2 ç/kWh).

Como se pode ver, o custo do capital constitui uma parcela tão pequena do custo final desta energia que, se a taxa de juro extraída do investimento for de 15% em vez dos 8%, o custo final apenas aumenta 0,6-0,8 ç/kWh, o que explica o grande interesse despertado nos investidores privados pelo negócio - especialmente para os que já têm infra-estruturas.
A opção pelo gás natural, de que as centrais eléctricas já gastam mais de metade do consumido no país, é claramente mais barata que qualquer fonte renovável mesmo pagando a multa pelo CO2 emitido, mas pode-se-lhe apontar os seguintes óbices, além dos já mencionados (reservas mundiais limitadas, preço indexado ao petróleo e emissão de CO2):
- Na Europa o gás está a esgotar-se. É todo importado de países algo instáveis politicamente, e essas importações europeias prevê-se que dupliquem até 2020.
- A incorporação nacional de valor nestas centrais é praticamente nula.
Trata-se, portanto, de uma opção típica de visão de curto prazo. Para já não falar da completa traição aos ideais "green" com que se andaram a justificar os disparatados investimentos em eólicas...

Nas centrais nucleares, o investimento por kW instalado é muito mais caro!
Têm sido anunciados valores da ordem de 1000 e de 1500 €/kW instalado, mas os custos por que têm ficado, de facto, as nucleares de 3ª geração já instaladas no Ocidente são de 2000 a 2400 €/kW - e isto sem consideração dos juros a pagar ao capital investido. No entanto, quase metade deste custo é pela construção civil da dupla casamata estanque em que uma nuclear moderna é envolvida, e esse custo varia bastante com os países. E é de notar que a construção civil pode ser toda nacional...
Geralmente, também, a taxa de juro a pagar ao capital investido na construção varia muito com o compromisso político do Estado; pode ir de um ideal de 5%, para um investimento essencialmente público ou regulado, para até 12%, se feito por privados.
Para uma nuclear ao custo de construção de 2400 €, com uma taxa de juro de 8% (igual à considerada para as centrais de ciclo combinado), um prazo de construção ideal de 4 anos, uma margem de segurança de 15% no investimento e 40 anos de amortização do capital, com uma utilização média anual de 90% da capacidade da central, têm-se as seguintes parcelas de custo:
- custo de Operação e Manutenção: 1,2 ç/kWh;
- multa pelo CO2 emitido: --;

- custo do urânio: 0,55 ç/kWh (0,2 ç do urânio + 0,35 ç pelo seu enriquecimento);
- Processamento dos resíduos: 0,08 ç/kWh;
- poupança para o desmantelamento final: 0,1 ç/kWh (rende juros);
- custo de investimento: 3,57 ç/kWh;
Total: 5,5 ç/kWh.
Como é patente, este custo, que é dominado pelo custo do investimento, é apenas marginalmente inferior ao calculado para as centrais de ciclo combinado. Pode, porém, reduzir-se, e pode também aumentar consideravelmente se ocorrerem alguns factos.

Pode reduzir-se se, além da construção durar os referidos e prometidos 4 anos, se puder reduzir o custo de construção de base.
Assim, admitindo um custo de base optimizado de 2000 €/kWh e uma taxa de juro suportada por um forte compromisso público de 5%, o custo de investimento por kWh, e com ele o custo final, reduz-se em 1,65 ç/kWh, para apenas 3.85 ç/kWh. Não é infazível. A "ERSE francesa" diz que o custo do kWh nuclear da EDF é de 4,1 ç/kWh...
Pelo contrário, se a duração da obra resvalar, por exemplo, dos 4 anos prometidos para 8 (e entretanto os juros do investimento a acumularem...), com uma taxa de juro de 8% e se o construtor puder passar os custos para o cliente, o custo de capital aumenta em 1,3 ç/kWh, e com ele o custo final para o valor máximo actual da produção a gás natural, 6,8 ç/kWh!...
Em termos de incorporação nacional, além da contribuição para a construção civil inicial há a considerar o facto de uma central destas empregar tipicamente 300 a 400 pessoas, o que é uma das razões do seu maior custo de Operação, relativamente às de Ciclo Combinado.
É também relevante notar que Portugal tem jazigos de urânio, que foram explorados (para exportação), durante 50 anos, a partir de 1951. Desses jazigos já se exportaram cerca de 1/3, mas as reservas remanescentes, na Urgeiriça e especialmente em Niza, ainda dão para uma nuclear de 1500 MW trabalhar durante pelo menos 30 anos...

Porém, o que esta análise procurou mostrar é que a competitividade económica de uma nuclear face à alternativa a gás natural depende, essencialmente, da capacidade de negociar a aquisição de uma central e do crédito de construção a bom preço, de um bom planeamento das obras e de uma execução rigorosa das mesmas.
E isto requer que tenhamos uma estrutura nacional, apoiada pelo poder político, capaz de planear as coisas em detalhe, de elaborar o Caderno de Encargos, a escolha e negociação de propostas e a fiscalização das obras, com três características: competência técnica, mestria de gestão e incorruptível dedicação ao serviço público.
E aqui é que está o grande problema!...


  • O que é urgente
Desde a decisão de construção de uma central nuclear até ao início dessa construção, a experiência finlandesa, por exemplo, mostra que são precisos pelos menos 4 anos. E a construção em si também não demora menos de 4 anos.
Por outro lado, antes da decisão é preciso fundamentá-la e precisá-la. Isso requer estudos, a fazer por especialistas devidamente geridos, que nunca demoram menos de 2 anos ( tempo levado por uma empresa de consultoria americana, por exemplo, a quem a Tailândia encomendou esse estudo  - por 3,6 M€). Pelo que se a decisão de se avançar para tal empreendimento se tomasse agora, correndo tudo bem e a marcha acelerada, teríamos a nossa nuclear em 2020. Mesmo a tempo de substituir a central de Sines, e dando tempo a que os processos de construção no estrangeiro das primeiras centrais de 3ª geração ganhassem experiência e maturidade, isto é, entrassem em produção em série. Note-se que estou a falar de uma central de 1500 MW médios, portanto com um reactor de 1650 MW para trabalhar 90% do ano, e que custaria, sem juros e bem negociado (2000 €/MW), 3,3 biliões de !... [Não resisto à piada negra de recordar que, mesmo que se perdesse completamente este investimento, ele ainda seria só 80% do dinheiro já metido pela Caixa Geral de Depósitos no BPN!...]

Porém, há muitos outros factores a planear sistemicamente para que tal decisão se inserisse numa estratégia sustentável para as gerações vindouras, como por exemplo:
> Um acompanhamento de perto da evolução das opções tecnológicas no mercado, bem como de todas as experiências internacionais na matéria quanto a todos os aspectos do ciclo produtivo da energia nuclear.
> O levantamento de todos os aspectos onde se poderia maximizar a incorporação técnico-económica nacional. A Espanha, por exemplo, participa na preparação do urânio das suas centrais;
> A preparação de recursos humanos qualificados. Uma boa ideia seria começar por enviar alguns estudantes de élite para se doutorarem onde haja engenharia nuclear suportada em experiência industrial, e outra seria a FCT disponibilizar alguns fundos para I&D nacional aplicada nessas áreas, de modo a fixar alguns interessados no tema;
> O permanente diálogo com as populações e a opinião pública, e a total transparência dos processos e decisões, únicas atitudes que, como estudos feitos pelas próprias empresas do ramo mostram, inspiram às populações a confiança necessária à aceitação do nuclear.

Mas, além dos trabalhos de estudo e planeamento, será preciso que haja elevados padrões éticos e estabilidade nas estruturas que tomassem estas responsabilidades.
Na Finlândia, por exemplo, onde está em construção uma das primeiras centrais francesas de 3ª geração, os prazos de construção já derraparam 3 anos, mas o contrato que fora feito assaca ao construtor (neste caso a AREVA) os custos desses atrasos, portanto sem agravamento do preço final. Porém, os atrasos ocorreram por causa do rigor da fiscalização finlandesa, que não permite a aceitação de trabalhos menos que perfeitos em aspectos da obra que podem comprometer a sua segurança futura, e por isso a AREVA e as entidades finlandesas já estão em processos contenciosos. Na entidade que supervisiona estas coisas, na Finlândia, a Direcção tem 3 pessoas que têm de decidir tudo por maioria, assim se dificultando os "arranjos" pessoais.
Se for assim também cá, não haverá nada a recear.
O problema é que alguém acredita que num país onde o próprio Tribunal de Contas vai denunciando os contratos ruinosos feitos pelo Estado na construção das estradas ou do Terminal de Contentores do porto de Lisboa, e nada acontece, alguém acredita que as coisas correriam com a confiança que merecem na Finlândia?

Há mais de 50 anos o Estado pensou que a energia nuclear seria o futuro e decidiu preparar o país para isso. Criou para tal uma estrutura (directamente dependente do centro do poder, Salazar, na altura), a Junta de Energia Nuclear, e adquiriu até um reactor para estudo que ainda existe, em Sacavém.
Depois da queda do regime essa estrutura ainda hoje conserva umas centenas de pessoas, mas foi desarticulada, despojada de objectivos e responsabilidades, e hoje nem os resíduos radioactivos dos hospitais monitoriza!
É discutível, pois, se no presente Portugal tem categoria para vir a ter energia nuclear, ou se o futuro não será importá-la toda de Espanha, um futuro em que Portugal será apenas a província mais pobre desse país vizinho.
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Nota ao leitor: evidentemente, aceitam-se todos os comentários, dúvidas, esclarecimentos e críticas substantivas. Só vão para o "delete" os insultos, a retórica sem conteúdo e a auto-propaganda.