sexta-feira, julho 31, 2009

Contra o pós-modernismo energético: I - as ficções da microgeração e da gestão da procura

Duas das visões mais fantásticas que os ecologistas utópicos, ou ecotópicos, pretendem materializar, são a da chamada "microgeração" e a da "gestão da procura".
Segundo esta visão, as redes eléctricas interligadas com controlos centralisados são uma velharia em vias de desaparecimento com o advento das energias renováveis e, com estas, vem a "democratização" da produção para cada consumidor.
A visão apregoada pelos ecotópicos é, porém, ainda mais ousada: no futuro, um futuro já muito próximo, segundo eles, o consumidor de energia será não só também um produtor, como um consumidor adaptável.
Esta visão resulta, por sua vez, de os ecotópicos preverem cheios de felicidade que em breve a garantia actual de termos sempre energia eléctrica à disposição quando ligamos o interruptor irá desaparecer.
Mais exactamente: poderá não desaparecer, mas ficará imensamente cara a certas horas de antemão imprevisíveis, o que será registado pelos "contadores espertinhos" ("smart meters") que nos irão montar nas casas e que ajustarão as tarifas a cada momento em função de haver muita ou pouca energia na rede eléctrica para usarmos, e a que chamam "smart grids". Ou seja, a energia será tão cara a certas horas e dias que os que não puderem pagar terão de passar sem ela. Chamam a isso "gestão da procura".
Porque prevêm os ecotópicos que isso vá suceder, e porque o desejam?
Prevêm-no porque o futuro que eles nos desejam baseia-se no abandono da sociedade industrial que nos trouxe a energia que nos habituámos a usar com todo o conforto, inteiramente substituída por energias renováveis que, como é evidente, dependem das condições ambientais.
Energia eólica só há quando o vento sopra com alguma intensidade; sol só há de dia e com céu limpo; àgua caudalosa nos rios só há se tiver chovido e se os cursos de água não tiverem sido transvasado para fins agrícolas pelos espanhóis; e energia geotérmica só há nos Açores!
Todas as outras fontes de energia, as centrais a carvão barato e até as a gás de ciclo combinado, para já não falar do diabólico nuclear, serão banidas por não serem ecológicas.
Por conseguinte, haverá horas do dia (especialmente à noite) e dias do ano (especialmente no Verão) em que não haverá energia que chegue para todos, e por isso os ecotópicos propõem-nos para então a "democratização" da produção e a "gestão da procura".
Que produção democrática de energia prevêm eles?
A microgeração a gás, com micro-turbinas que, além de também poluirem, têm custos que até os ecotópicos reconhecem só serem acessíveis a empresas e colectividades, a venda da energia armazenada nas baterias dos nossos futuros carros eléctricos e a venda da energia produzida nos painéis solares dos telhados das nossas casas.
Quanto aos carros, já vos falei do que esperam de nós e que já foi afirmado na TV: que deixemos os carros eléctricos em casa a descarregar as baterias para a rede e que vamos de transporte público levar os filhos à escola e para o emprego! Nunca acontecerá tal coisa, evidentemente!
Quanto à energia eléctrica com origem nos painéis solares dos telhados, também não acontecerá nos próximos 10 anos nem provavelmente nos próximos 30, pelos motivos que vos exporei num próximo post! Estou a excluir, claro, pequenas experiências promovidas pela subsidiação estatal, que obviamente seria insustentável se de facto toda a gente aderisse...
Mas, além da prometida "microprodução" de energia que, como é evidente, não vai acontecer, os ecotópicos têm outra proposta "complementar", como já referi: a da "gestão da procura".
Candidamente, dizem-nos que se as tarifas subirem muito por falta de energia na rede, isso nos levará a desviar os consumos para as outras horas e dias em que, pelo contrário, haja excesso. Ou seja, que desligaremos os frigoríficos e o ar condicionado no pino do calor de Verão e os ligaremos no Inverno; que apagaremos as luzes à noite e que as ligaremos de manhã; e que aproveitaremos as férias de Natal para deixar as máquinas de lavar a trabalhar mas que em certos fins de semana nos convirá deixar a louça acumular-se no lavatório...
Obviamente, isto também não vai acontecer!
O que vai acontecer é que nas tais horas em que houver excesso de energia eólica e os rios estiverem cheios e não houver consumo, terão de desligar as turbinas. E, por outro lado, quando houver falta de energia a certas horas e em certos dias, só os ricos a poderão pagar e todos os outros terão de passar sem ela e, com o tempo, voltar a viver como na era pré-industrial. E é com este dinheiro extra ganho nas "horas de ponta de consumo" que compensarão a desligação das turbinas nas outras horas e dias, em que houver produção em excesso.
E é esse futuro feliz, "green", que de facto os ecologistas utópicos nos pretendem impingir como se fosse moderno e progressista!
Andam tão entusiasmados com esta ideologia que começaram o habitual processo de reescrever a História. Na wikipedia, por exemplo e a propósito das smart grids, pode ler-se que as redes eléctricas são como são, centralizadas, por isso resultar da "visão do sec. XX" quando, na verdade, as primeiras redes eléctricas do sec. XIX e inícios do XX é que eram dispersas como as que agora nos pretendem impingir como progresso, e a unificação das redes foi um grande avanço que entre nós até veio já tarde, só na segunda metade do sec. XX!

3 comentários:

Anónimo disse...

E o que diz a isto, caro Prof.?

http://aeiou.expresso.pt/video-primeira-eolica-flutuante-instalada-no-mar-da-noruega=f528606

Pinto de Sá disse...

Não tenho nada a dizer.
O mar do Norte tem pouca profundidade por uma longa extensão e por isso é apropriado ao eólico offshore.
E já agora peço que me leia bem e não interprete mal: eu não sou contra a energia eólica!
O que constesto é:
1) o Portugal ter-se empenhado tanto nessa solução sem ter acautelado a criação de empregos, o domínio da tecnologia e a criação de valor, ao contrário dos países campeões do "eólico"; leia bem o meu post sobre "Portugal, a Albânia do ecologismo";
2) A fuga para a frente que este Governo encetou relativamente ao "eólico", para justificar a tremenda asneira que foi não ter apostado nas barragens em vez de no vento, quando a coisa começou no tempo do Guterres. Hei-de escrever sobre isso.

Anónimo disse...

Não o interpreto mal. Estou totalmente de acordo consigo nos dois aspectos que refere.
E acrescento o da criticável negociata em que se transformou a produção eólica, em consequência da excessiva subsidiação de que beneficia.
Aguardo o seu comentário acerca da pesada herança de Guterres relativamente à produção hidroeléctrica, dizendo-lhe, desde já, que considero um dos maiores erros da nossa história recente o cancelamento de Foz Coa.