Durante muitos anos, Portugal teve nos seus rios a fonte da maior parte da energia eléctrica que produzia, e de forma completamente auto-suficiente.
De facto, até meados do século passado não havia uma rede eléctrica única no país. Cada cidade ou região administrativa tinha as suas próprias centrais eléctricas: uma quantidade apreciável de pequenas mini-hídricas, e algumas térmicas, como Lisboa, que era alimentada pela "Central Tejo", construída durante a Grande Guerra e hoje convertida em museu da electricidade, e que funcionava com carvão importado de Inglaterra. No final dos anos 30 havia cerca de 400 pequenas centrais eléctricas em Portugal, mas só 5 ultrapassavam a potência de 5 MW. Era quase o paradigma da microgeração que agora se propugna como inovador....
Naturalmente, o país era muito pobre e grande parte da população não tinha acesso à electricidade.
Depois, durante a Guerra Mundial, Salazar resolveu dar uma oportunidade aos "industrialistas" que defendiam ser possível o progresso económico do país apesar dele não ser rico em carvão, contra os "ruralistas" que dominavam a Corte da época. E chamou o Eng.º Ferreira Dias (na foto), professor de Electrotecnia do Instituto Superior Técnico, que publicaria o famoso "Linha de Rumo" (reeditado em 1998), onde defenderia o primeiro (e talvez único...) projecto estratégico coerente de desenvolvimento industrial de Portugal. Foi com base no trabalho de Ferreira Dias como Sub-Secretário de Estado que foi publicada a lei da Electrificação Nacional de 1944, onde se estabelecia o princípio de que "a produção de electricidade teria de ser de origem hidráulica, devendo as centrais térmicas reservar-se para funções complementares, nomeadamente durante o Verão, para aproveitar os carvões pobres de origem nacional". Como vêm, Ferreira Dias estaria na moda hoje!...
E foi assim que, sobretudo na década de 50, foram construídas as grandes (para a época) centrais hidroeléctricas de Castelo de Bode e do Alto Douro, Cávado, Zêzere e Tejo. E que todas essas centrais foram interligadas numa rede eléctrica nacional.
Dos anos 50 aos 80 do século passado, portanto, a maioria da energia eléctrica em Portugal foi de origem renovável, concretamente hidroeléctrica!
Mas mais: a construção e exploração dessas centrais hidroeléctricas foi inteiramente nacional, porque Ferreira Dias arquitectara um plano integrado de desenvolvimento, assim:
- para que Portugal dominasse a engenharia civil necessária ao projecto e construção das barragens, criou o LNEC, indo ao IST buscar um professor para o efeito, Manuel Rocha. O LNEC teve tal importância que foi a partir de engenheiros nele treinados que se vieram a formar as grandes empresas de engenharia e construção civil portuguesas, que ainda hoje tanto peso têm;
- enquanto professor do IST, promoveu o ensino das aplicações da electricidade e seleccionou sistematicamente os melhores alunos para irem ajudá-lo a planear a rede eléctrica nacional, que é um sistema complexo;
- para que fosse Portugal a construir as máquinas eléctricas que equipariam essa rede eléctrica nacional, promoveu a criação da EFACEC e da SIEMENS de Portugal, em 1948, e a SOREFAME viria a construir comportas para as barragens;
- e para que se garantisse consumo para a energia que se iria produzir, o Porto foi privado de rede de distribuição de gás.
Porque e quando deixaram as "renováveis" de ser dominantes na produção de energia eléctrica portuguesa?
A primeira grande central térmica de Portugal foi a do Carregado, e entrou em funcionamento no início dos anos 70: concebida antes do 1º choque petrolífero de 1973, operava a partir do petróleo, mas a sua função essencial era mais a de equilibrar a tensão das linhas que traziam a maior parte da energia das barragens do Norte do que outra coisa. Já razoavelmente maior foi a outra central a petróleo que se lhe seguiu pouco depois, a de Setúbal, e que entrou em serviço no final da mesma década de 70. Há já largos anos que essas centrais raramente operam, agora.
Acontece que após o 25 de Abril as empresas de electricidade foram nacionalizadas e a rede eléctrica estendeu-se finalmente a todo o país, levando a energia a todo o lado, o que estava longe de acontecer até então. E o grande aumento do consumo daí decorrente, bem como da industrialização acelerada que ocorrera nos últimos anos do regime deposto em 74 é que tornaram inaceitável estar-se à mercê da variabilidade dos rios - secos no Verão e cujo potencial energético depende, em cada ano, do acaso das chuvas que tiverem ocorrido - tornaram inaceitável a dependência da chuva que enche os rios.
Foi assim que foi construída, já nos anos 80, a grande central a carvão de Sines e, só então, a energia eléctrica nacional deixou de ter origem renovável na sua maior parte.
Ora a energia eólica ainda é muito mais variável que a dos rios. Se esta varia com os meses do ano e por vezes, fora do Verão, com os dias de chuva ou não, o vento muda radicalmente quase hora a hora e é muito mais imprevisível! E o mesmo sucede com a energia solar, que depende das nuvens no céu e que, obviamente, não funciona à noite quando se precisa de acender a iluminação!
É por isso que, pela mesma razão que em tempos se teve de complementar a nossa energia renovável de origem hídrica com centrais térmicas, o mesmo terá de acontecer com o eólico. Mas uma central térmica não tem de ser forçosamente poluente. Para o carvão estão em desenvolvimento tecnologias de "captura do carbono", e nas centrais nucleares o vapor que acciona as turbinas é produzido pela cisão atómica, que não liberta fumos.
Mas claro que seria conveniente era que qualquer projecto de desenvolvimento energético copiasse as preocupações de Ferreira Dias quanto à incorporação nacional! Não por qualquer bandeira nacionalista de outros tempos, mas porque Portugal precisa desesperadamente de empregos, de empregos qualificados e sustentáveis como os que tais actividades criam!
1 comentário:
Parabéns! Bem lembrado nos dias que correm...
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